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Projeto de lei que determina nacionalmente aulas presenciais como atividade essencial não deveria avançar

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A volta às aulas presenciais é absolutamente importante, urgente e necessária, mas diante do grave cenário da pandemia em inúmeras regiões do País, em que pese boa intenção, o substitutivo do PL 5595/2020, apresentado ontem (14/4), sinaliza visão descompassada do momento atual. O foco do legislativo federal no âmbito dessa matéria deveria estar no estabelecimento de diretrizes para apoiar os entes subnacionais na reabertura segura do ponto de vista sanitário e efetiva sob a ótica educacional, como propõe o PL 2949/2020.

 O Todos Pela Educação, organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, não governamental e suprapartidária, manifesta sua preocupação com o texto substitutivo ao Projeto de Lei (PL) Nº 5595/2020, da Câmara dos Deputados, que teve seu requerimento de urgência aprovado em 13/4 podendo, assim, ser pautado para votação a qualquer momento.

De autoria dos Deputados Paula Belmonte (Cidadania-DF), Adriana Ventura (Novo-SP), Aline Sleutjes (PSL-PR) e General Peternelli (PSL-SP), o objetivo do PL é “dispor sobre o reconhecimento da Educação Básica e do Ensino Superior, em formato presencial, como serviços e atividades essenciais”. 

Já na sua versão substitutiva, apresentada ontem, (14/4), pela relatora da matéria Deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), o texto reafirma a intenção original de “vedar a suspensão das atividades educacionais em formato presencial” (ainda que com excepcionalidades, que serão discutidas abaixo) e amplia o escopo da matéria para incluir um conjunto de “diretrizes para o retorno seguro às aulas presenciais” (aspecto não presente no texto original).

Análise e posicionamento sobre o substitutivo do PL 5595/2020

O texto do substitutivo atenua uma relevante inadequação da versão original no que diz respeito ao risco de aplicação impositiva e homogênea da medida “educação como atividade essencial”. A redação que dispõe sobre cenário de excepcionalidade deu contornos mais claros a respeito da preservação da autonomia local. Certamente, consideraram o fato de que as dimensões continentais do nosso País inviabilizam a adoção de medidas sanitárias homogêneas (Parágrafo único do Art. 2o.: “vedar a suspensão das atividades educacionais em formato presencial,
exceto nas hipóteses em que as condições sanitárias do Estado, do Distrito Federal ou do Município, aferidas com base em critérios técnicos e científicos devidamente publicizados, não o permitirem, o que deverá constar em ato do respectivo Chefe do Poder Executivo.” (trecho modificado em itálico)

Não obstante esta atenuação, mesmo considerando a boa intenção de priorização da Educação em meio à pandemia ao buscar torná-la atividade essencial, é preciso sopesar os eventuais riscos do avanço dessa medida à luz do grave quadro atual de descontrole da pandemia e de colapso do sistema de saúde em diversas localidades do País.

Ao ser efetivada no pior momento da pandemia no País, a medida, ainda que não-impositiva, introduzirá uma significativa alavanca de pressão aos Estados e Municípios num momento em que a reabertura definitivamente não pode se dar a qualquer custo. Isso porque, ainda que as evidências indiquem que as escolas podem ser ambientes seguros se aplicados protocolos sanitários rigorosos, e que as crianças menores são menos suscetíveis e transmissoras do vírus, um conjunto de pesquisas¹ têm demonstrado que a observância dos níveis de transmissão da Covid-19 em cada localidade é variável-chave para que as escolas sejam reabertas com segurança, ou seja, a abertura deve ocorrer em contextos onde a pandemia está controlada

Num cenário como este, a tomada de decisão consistente por parte dos entes subnacionais – que contém capacidades institucionais muito desiguais – requer indicadores e parâmetros orientadores,  até hoje inexistentes em âmbito nacional devido à ausência de uma efetiva coordenação pelo Governo Federal dos esforços necessários ao enfrentamento dos efeitos da pandemia. De maneira mais concreta, deveríamos, por exemplo, ter o monitoramento das diferentes situações dos entes subnacionais (pandêmicas e educacionais) e o estabelecimento de parâmetros e estratégias compartilhados (como, por exemplo, o que o Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC), dos Estados Unidos,  fez para orientar as decisões no país norte-americano. Sem isso, é razoável supor que, com a efetivação do PL, o risco de observarmos um movimento significativo de reaberturas em localidades onde o quadro da pandemia não as permita deve aumentar.

Frente a um quadro dramático da saúde, o que o Todos Pela Educação tem defendido é que, a partir do momento em que as autoridades sanitárias locais estabeleçam que é possível retomar alguma atividade hoje considerada não essencial, a reabertura de escolas, mesmo que gradual, deve ser absolutamente priorizada. Ou seja: prioridade, sim, mas não a qualquer custo e tampouco de maneira homogênea em todo o território brasileiro. Nossa  posição foi detalhada e publicada em fevereiro no texto “Volta às aulas presenciais: importante, urgente e necessária. Mas não a qualquer custo. No posicionamento, buscamos, por um lado, alertar a sociedade para os brutais impactos – educacionais, sociais e emocionais – nas crianças, adolescentes e jovens, decorrentes de mais de um ano de escolas praticamente fechadas e das tremendas limitações do ensino remoto; e, por outro, destacar os cuidados necessários, assegurando a segurança, a proteção e a defesa da vida de alunos, pais, professores e gestores.

Assim, reafirmamos nosso entendimento de que o debate mais importante neste momento é sobre as medidas que necessitam de ação imediata para que a reabertura seja segura, do ponto de vista sanitário, e efetiva sob a ótica educacional. Além disso, continuamos defendendo que profissionais da Educação estejam na lista prioritária da vacinação – ainda que tal medida não seja condicionante ao retorno – e que a decisão sobre a reabertura das escolas  seja pautada a partir dos comitês de contingência para saúde criados em cada região. 

Desse modo, destaca-se que o esforço do substitutivo do PL 5595/2020, ao ampliar o escopo do texto para elencar diretrizes orientadoras para um retorno seguro e efetivo das aulas presenciais, tem relevância. Não obstante, o PL 2949/2020, que “dispõe sobre a estratégia em regime de colaboração para o retorno às aulas no âmbito do enfrentamento da pandemia do coronavírus”, possui uma abordagem integralmente focada no tema em voga e aponta para caminhos consistentes. Entendemos, portanto, que nesse momento é nele que a prioridade do debate legislativo deveria estar. Nessa mesma linha, o Todos Pela Educação se soma à Presidente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, Deputada Profa. Dorinha, ao defender que os projetos relativos à educação tramitem na respectiva Comissão de mérito antes de serem levados ao plenário, garantindo, assim, maior discussão e tempo de amadurecimento das propostas.

Por fim, cabe reforçar que, em dezembro de 2020, o Todo Pela Educação disponibilizou ao debate público e enviou aos 5.568 municípios brasileiros o documento “Recomendações para o plano de reabertura das escolas nas novas gestões municipais” (confira o detalhamento aqui),  trazendo 25 recomendações a serem contextualizadas a partir da situação de cada localidade, dada a grande diversidade de realidades existentes no País. O material inclui medidas necessárias para que a reabertura das escolas seja segura do ponto de vista da saúde pública, para que todas as crianças e os jovens recebam o suporte social e emocional adequado e para que todos os alunos tenham acesso aos direitos de aprendizagem.

O Brasil exige hoje – e o Todos Pela Educação se une a essa exigência – um plano nacional de controle da pandemia. O patamar atual de mortes diárias é resultado de uma inaceitável marcha contrária à vacina, à saúde e à vida, que também tem atingido brutalmente essa geração de estudantes. Às famílias que tiveram vidas ceifadas pela Covid, nossa profunda solidariedade. 

Sobre o Todos Pela Educação

Sem fins lucrativos, não governamental e sem ligação com partidos políticos, somos financiados por recursos privados, não recebendo nenhum tipo de verba pública. Isso nos garante a independência necessária para desafiar o que precisa ser desafiado, mudar o que precisa ser mudado. A Educação só será melhor com boas políticas educacionais: estruturantes, bem formuladas e continuamente aprimoradas. E atuamos para que isso seja realizado em todo o Brasil – reunindo e estruturando o melhor do conhecimento e das evidências disponíveis, qualificando o debate e articulando com o poder público. Saiba mais em todospelaeducacao.org.br

 

 Referências bibliográficas:

[1] Bittencourt, et al (2021). “COVID-19 e a reabertura das escolas: Uma revisão sistemática dos riscos de saúde e uma análise dos custos educacionais e econômicos”. Disponível em:http://dx.doi.org/10.18235/0003031

Mallapaty S (2020). How schools can reopen safely during the pandemic. Nature. 2020 Aug;584(7822):503-504. doi: 10.1038/d41586-020-02403-4. PMID: 32811982.

CDC (2021). Transitioning from CDC’s Indicators for Dynamic School Decision-Making (released September 15, 2020) to CDC’s Operational Strategy for K-12 Schools through Phased Mitigation (released February 12, 2021) to Reduce COVID-19. Disponível em: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/community/schools-childcare/indicators.html