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Educação é coisa séria: cinco pontos para refletir sobre a complexidade do processo pedagógico

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Por todo Brasil, entre assembleias legislativas estaduais e municipais, e mesmo no Congresso Nacional, tramitam projetos de lei que querem estabelecer uma série de regras sobre como deve se dar (ou não) a prática pedagógica dos professores. Ao todo, são 11 em esfera federal e 23 nos estados e capitais do País. Infelizmente, esse movimento tem se espalhado e adentrado um perigoso terreno que nada ajudará a melhorar a aprendizagem dos nossos estudantes. À luz dos avanços desses projetos de lei, citações ao termo “professor doutrinador”, referência a um suposto poder negativo dos docentes sobre os alunos, têm sido cada vez mais frequentes. Somente este ano, a expressão apareceu 1.116 vezes em menções nas redes sociais e blogs, de acordo com um monitoramento do Todos Pela Educação.

Ainda que possam existir indícios de que as escolas brasileiras não estão imunes a práticas pedagógicas inadequadas (e é isso que são – práticas pedagógicas inadequadas), não existem evidências de que isso ocorra de maneira generalizada. Diante disso, não há razão para criar leis que incidam sobre todos os professores e, principalmente, da forma como têm sido proposto. Uma rápida leitura sobre aquilo que propõe o Escola sem Partido revela que a solução apontada para o “problema” indicado seria de pouca eficácia. Além disso, contribuiria para a piora do ambiente escolar, tornando ainda mais difícil a relação professor-aluno e a parceria escola-comunidade (por exemplo, ao propor que toda sala de aula tenha uma lista de “deveres” do que o professor pode ou não fazer/falar e que alunos e pais sejam “fiscais” para delatar um professor que porventura “sair da linha”).

Ou seja: qualquer tentativa de proibir que os professores evidenciem os aspectos políticos, sociais e econômicos dos saberes não conversa com as bases do que deve ser garantido para a efetivação de uma boa prática pedagógica. Diante disso, convidamos você a ver mais de perto como a Educação é complexa e que propostas como Escola sem Partido vão no sentido contrário do que precisamos de fato nos concentrar para melhorar a qualidade da educação brasileira.

Ser professor é difícil

Há muito desconhecimento sobre a profissão do professor. Ser professor é difícil e exige muito estudo. Além dos conhecimentos teóricos da disciplina, os docentes devem saber sobre didática (isto é, como ensinar), comportamento e desenvolvimento humano. Eles trabalham antes, durante e depois das aulas para garantir uma série de processos complexos: aplicação prática e contexto social para os saberes ensinados, avaliação de aprendizagem e maneiras de fazer com que os diferentes tipos de alunos aprendam. Os limites e a natureza da atuação docente é um assunto pedagógico e que, portanto, deve obedecer a ciência que estuda a área..

O conhecimento escolar e pedagógico é científico

A Constituição Federal brasileira defende a liberdade religiosa, de ensinar e aprender. Traduzindo isso para a Educação quer dizer que a escola pública não pode ter conteúdo pedagógico segundo uma visão religiosa cristã ou de qualquer outra ordem, ainda que implicitamente. Dito de outro modo, as aulas devem ter como base o conhecimento científico (leia mais aqui) e o motivo disso é muito lógico. A escola tem de promover a investigação de rigor científico seguindo a laicidade do Estado, de modo a não propagar crenças sem embasamento que impeçam o progresso coletivo e a igualdade.

O diálogo aberto é importante para o bom trabalho pedagógico

Crianças e jovens não são papéis em branco – esqueça essa imagem! Ao concebê-los como seres manipuláveis, os projetos de lei que querem cercear a liberdade de ensino-aprendizagem se inspiram em conceitos sobre criança e jovem ultrapassados há pelo menos 50 anos. Pesquisas mostram que as pessoas, mesmo as mais jovens, escutam uma mensagem e refletem sobre o significado dela. Podem aceitá-la ou não, após cruzarem o que ouvem com influências da família, de outros professores, de amigos, da mídia, na Igreja e em outros grupos sociais dos quais participam. Diante disso, a escola deve promover os espaços de escuta e debate onde essa complexidade possa ser ouvida e respeitada.

Escola é espaço de escolhas

A hostilidade generalizada contra professores não apenas indica desprezo pela função docente, como coloca em risco o ideal de escola democrática, laica e científica, os pilares para o desenvolvimento integral de estudantes questionadores. Quem perde? Todo o Brasil. Ao aceitarmos uma escola supostamente neutra, estamos indiretamente dizendo que queremos cidadãos incapazes de pensar por si, de defender-se com argumentação lógica, intolerantes à diversidade, sem criatividade e nem método científico para buscar respostas. Para evitar isso, dentro de um programa pedagógico, a escola tem de dar liberdade de escolhas aos estudantes, fornecendo informações contextualizadas.

O mundo é cheio de diferenças e a escola também

No que diz respeito ao tempo, a escola é a segunda casa das crianças e jovens. Nela, eles passam grande parte do dia e vivenciam experiências essenciais para a vida, como a exigência de defender suas crenças e resolver conflitos interpessoais com respeito. Diante dessa realidade, a escola pode construir as bases do diálogo como nenhum outro espaço público. É um local pedagógico e  preparado para se exercer (e não apenas ouvir falar) da tolerância; um espaço para se aprender que pessoas que mesmo pensando coisas opostas, as pessoas podem ser vizinhos, colegas de turma, amigos, namorados. Entender e respeitar as singularidades das pessoas é o caminho para uma sociedade mais plural e, nesse sentido, a escola que abre espaço para discutir as diferenças é indispensável para uma sociedade de paz.

Ainda sobre esse aspecto, os projetos de lei que tentam cercear a atuação pedagógica dos professores tentam também criminalizar discussões (não só na unidade escolar, como nos currículos) sobre a diversidade sexual, tema fundamental para o avanço dos direitos humanos e da igualdade. Os projetos geralmente impõem a proibição de referência a termos como gênero e orientação sexual. Essas são discussões caras para um país que quer garantir desenvolvimento e prosperidade para todos os cidadãos, todos mesmo. Nós ainda amargamos inúmeros casos de violência contra o grupo LGBTQI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queer e Intersexuais), fingir que essas pessoas são invisíveis ou que não existem estudantes que se identificam com essa população é como participar desses crimes. A escola deve contribuir para um país em que nenhuma forma de afetividade ou visão de mundo seja desculpa para violência.