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O racismo sufoca o futuro do Brasil

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Por Priscila Cruz e José Vicente* sobre o tema racismo

O assassinato de João Alberto Silveira Freitas escancarou mais uma vez os efeitos sombrios de uma sociedade estruturalmente racista. O episódio engrossa a fileira de mortes emblemáticas no Brasil, movidas pela demofobia pura, onde o racismo tem evidente papel funcional. Alguns ganham a mídia, a maioria não. Mas o fato é que a existência do racismo costuma ser negada sistematicamente por aqueles que dela tiram vantagem.

Sejamos claros: o racismo brasileiro não só existe como revela sua face mais perigosa ao se esconder sob o manto do mito da democracia racial. Essa constatação é tão inegável quanto o peso da Educação como agente ativo para enfrentar o histórico racismo estrutural e acelerar a inclusão da população negra.

A desigualdade social, obviamente, tem um peso enorme na segregação racial no país. Mas, diferente do que muita gente de boa vontade acredita, ela não explica assassinatos como o de Rogério Ferreira da Silva Júnior, morto a tiros policiais militares em São Paulo no dia de seu aniversário, em 9 de agosto deste ano, ou de Gustavo Amaral, também morto a tiros, por PMs do Rio Grande do Sul em 19 de abril.

Há uma história de brutalidade sendo contada diariamente, e ela torna mais frágil a vida de negros e pobres, mesmo quando sua única ousadia é ir à escola, como nos lembram o assassinato de João Pedro Matos Pinto, de 14 anos, ou da menina Ágatha, de 8 anos, vítimas da violência endêmica presente nas favelas do Rio de Janeiro. Nestes e em muitos outros casos, se sobrepõem racismo e exclusão social, problemas acumulados pela população negra brasileira.

Alguns dados confirmam essa sobreposição:

Negros são as maiores vítimas de homicídios. Segundo o Atlas da Violência de publicado em 2019, 75,5% das pessoas assassinadas no Brasil eram negras em 2017. A chance de um jovem negro ser assassinado no país é 2,5 vezes maior do que a de um jovem branco.

Negros ganham menos do que os brancos no Brasil. Segundo o IBGE, o rendimento médio domiciliar per capita de pessoas negras era de R$ 934 em 2018. No mesmo ano, os brancos ganhavam quase o dobro.

A desigualdade racial também está presente na trajetória escolar. Segundo dados organizados pelo Todos Pela Educação, 58,3% dos declarados pretos e 59,7% dos declarados pardos concluíram o Ensino Médio até os 19 anos em 2019. Entre os brancos, essa taxa foi 75%. A disparidade é reflexo, em grande medida, da desigualdade no desempenho adequado ao longo dos anos, que começa ainda no Ensino Fundamental.

A união dessas evidências demonstra que agimos pouco por meio de políticas com efeito reparatório, ou seja, políticas educacionais que intencionalmente impulsionem as trajetórias da população negra. E quanto menos agimos, mais compactuamos com as desigualdades estruturais que estarão fadadas a serem prorrogadas por anos e anos, num ciclo vicioso cujo fim maior é a permanência da exclusão por cor ou raça.

A Educação, por si só, não resolve nosso racismo estrutural. Uma boa e completa formação escolar não apaga as manchas da herança da escravatura.

Mas a Educação, sem dúvida alguma, é parte fundamental da solução e, se acompanhada de políticas de combate às desigualdades e de valorização das diversidades, torna-se instrumento de rompimento da perpetuação do privilégio branco. Por isso é fundamental termos uma Educação claramente antirracista, capaz de assegurar a visibilidade negra, fortalecer as referências negras na escola de forma permanente e transversal, e refazer tendências históricas de um sistema que relega crianças e jovens negras à condição de segunda classe.

Esta é uma missão que demarcará o futuro de uma sociedade que precisa ver menos fins trágicos como os de João Alberto, João Pedro e Ágatha, e muito mais vidas-símbolos como Enedina Marques, Milton Santos, Ruth Guimarães e outras negras e negros que conquistaram espaços de destaque em seus campos de saber com o apoio da Educação.

*Priscila Cruz é presidente-executiva e co-fundadora do Todos Pela Educação. José Vicente é reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, presidente da Sociedade Afrobrasileira de Desenvolvimento Sociocultural (Afrobras) e co-fundador do Todos Pela Educação.

Artigo publicado orginalmente no jornal O Globo.