A crise que atinge o Inep é resultado de uma corrosão institucional sistemática produzida no governo atual, abala a credibilidade do órgão e põe em risco a política educacional e a gestão da Educação no Brasil
É gravíssima a crise institucional que atinge o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). As exonerações em massa (37, no momento em que esta nota é redigida), decorrentes, segundo os próprios funcionários, da fragilidade técnica e administrativa da atual gestão, representam mais um capítulo do longo enredo de corrosão da instituição, que se prolonga desde o primeiro ano deste governo.
Os últimos episódios fragilizam a realização do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), confirmado para os dias 21 e 28 deste mês, e podem afetar o futuro dos mais de 3 milhões de alunos brasileiros inscritos na prova. Até o presente momento, não há notícias de prejuízos na logística do exame, mas há graves relatos de fragilidades no sistema de prevenção e resposta a incidentes na aplicação. Essa crise, no entanto, revela um sintoma de uma doença que vem assolando o órgão com um todo, com sequelas que podem ir muito além do próprio Enem. Diante disso, o Todos Pela Educação compartilha nesta nota algumas análises técnicas para subsidiar o debate sobre essa crise.
- O órgão, ligado ao Ministério da Educação (MEC) e responsável, entre outras coisas, pela realização das avaliações e exames educacionais brasileiros, como o Enem e o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), teve cinco presidentes durante estes menos de três anos de mandato do presidente Jair Bolsonaro. Essas mudanças incluíram múltiplas trocas de diretores e profissionais em cargos importantes, prejudicando a continuidade da gestão e das diretrizes dessa que é uma das instituições mais especializadas e técnicas do País. O Inep tem funções características de Estado e por lá passam estatísticas, indicadores e pesquisas que balizam toda a Educação brasileira.
- No caso do Enem, nada indica até agora que o exame está prejudicado e é importante não criarmos alarmismos em relação a isso para não prejudicar ainda mais os estudantes que realizarão a prova. Neste momento, é fundamental que sejamos cautelosos, ainda que certamente os pedidos de exoneração tenham efeitos práticos para o órgão no futuro. Estaremos monitorando atentamente a aplicação e as ações subsequentes da logística de aplicação e correção do exame.
- O caso do Enem nessa gestão já era extremamente preocupante antes dos pedidos de exoneração em massa. Trata-se do menor número de alunos confirmados no exame desde 2009 (3,1 milhões) e um histórico recente de problemas e dificuldades na sua aplicação. Às vésperas da prova referente ao período de 2020, adiada para o começo de 2021, apenas 1,1% do recurso dedicado à implementação das medidas sanitárias havia sido executado. Na última aplicação, não faltaram exemplos de superlotação, aglomeração na entrada dos locais de prova e condições sanitárias inadequadas. Além disso, em maio deste ano, o MEC colocou em xeque a própria realização do Enem de 2021. Em ofício enviado ao Ministério da Economia, alegou que não tinha recursos para realizá-lo, além de admitir que faltaria dinheiro para pagar bolsas de 92 mil cientistas, incluindo pesquisadores da Covid-19. Recuou em seguida, diante da repercussão negativa, e afirmou que havia, sim, o dinheiro. Isso tudo compõe a crise de confiança e credibilidade em relação ao órgão.
- É importante ressaltar que a maior parte das pessoas que se demitiram faz parte da equipe do Enem, mas não exclusivamente. As Equipes de Incidentes e Resposta (ETIR), que cuidam dos incidentes que podem acontecer ao longo da logística de aplicação do exame, estão esvaziadas. Há relatos de que o presidente do Inep negou-se a se responsabilizar pela condução das respostas necessárias durante a aplicação do exame, o que teria inclusive motivado o pedido de exoneração de muitos servidores.
- Dito isso, o caso do Enem e as exonerações constituem exemplo de um problema maior, mais complexo e mais grave. Como o Inep tem funções que exigem probidade, tecnicidade, impessoalidade e refinado trabalho apurado, esse tipo de situação dinamita a sua credibilidade. Quando isso acontece, todas as suas produções podem ser questionadas. Eis o grande risco que enfrentamos no momento: todos os indicadores apurados pelo Inep, que balizam políticas educacionais no País, passarem a ser alvo de desconfiança e questionamento.
- Para dar exemplos concretos, o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), Pnae (Programa Nacional de Alimentação Escolar), Pnate (Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar) e PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola) dependem de dados e indicadores do Inep. Praticamente todas as transferências de recursos educacionais, portanto, dependem de um trabalho ilibado do instituto. Ademais, os órgãos de controle e Ministério Público utilizam as estatísticas educacionais do Inep para avaliar o trabalho dos gestores. É também isso que está em jogo quando a credibilidade dessa importante autarquia passa a ser questionada.
É por meio do Inep que sabemos o que tem dado certo e os desafios impostos para a Educação brasileira. É a base para formulação de todas as políticas educacionais. Isso tudo está em risco com o abalo de sua credibilidade, sistematicamente corroída ao longo desse governo. Mais do que nunca, precisamos de uma resposta robusta capaz de garantir condições de estabilidade institucional e autonomia necessárias ao bom funcionamento do órgão, como lhe seria conferido ao ser uma instituição permanente de Estado. O MEC, em especial, precisa se explicar para a sociedade, inclusive avaliando se hoje o Inep tem as condições adequadas para efetivar suas funções. É fundamental que a presidência do Inep apresente a liderança e competência técnica necessárias. Hoje, o cenário indica que essas características não existem.
Sem as respostas devidas, o MEC põe em risco um dos principais alicerces da Educação do País e tudo o que é sustentado por ele. Na prática, ameaça a própria política educacional e gestão do ensino do Brasil.