Análise do Todos sobre a regulamentação do novo Fundeb
Publicado originalmente em 31/08
No fim de agosto deste ano, um novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) – maior, mais justo e mais eficiente – foi aprovado no Congresso Nacional, sendo promulgada a Emenda Constitucional 108/2020. Ali, os alicerces do novo Fundo foram lançados, mas a finalização da obra – paredes, vedações e coberturas – para garantir sua funcionalidade ocorreu na etapa de regulamentação, com a aprovação do Projeto de Lei 4372/2020, em dezembro. Na tramitação, foram abordados pontos legais e técnicos que garantirão que essa política, agora aprimorada, seja de fato transformadora para os estados e municípios, especialmente os mais pobres.
Histórico do PL 4373/2020
De autoria da Deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), o PL foi apresentado na Câmara dos Deputados em setembro e a relatoria coube ao Deputado Felipe Rigoni (PSB-ES). O texto que foi visto como bem construído foi fruto de um acordo do relator com a oposição ao governo e foi aprovado no plenário da casa na primeira semana de dezembro. No entanto, alterações significativas foram incluídas pelos destaques apresentados, a maior parte delas negativas e com impacto no aumento das desigualdades. A pauta foi, em seguida, ao Senado Federal, que aprovou o texto originalmente apresentado pelo Dep. Rigoni. Por fim, o texto voltou à Câmara dos Deputados em caráter terminativo, e, apesar de alguns grupos tentarem a reinserção de destaques prejudiciais à Educação Pública, o texto original foi aprovado em 17 de dezembro. Agora, o PL vai à sanção presidencial.
Confira os principais pontos dessa regulamentação, as alterações aprovadas na primeira tramitação no plenário pelos Deputados e os pontos de incidência do Todos no debate.
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VEJA A ANÁLISE DO TODOS SOBRE OS PRINCIPAIS PONTOS DA REGULAMENTAÇÃO
1→ Regulamentação do Valor Aluno Ano/ Total ( o chamado VAAT)
Assegurada pela Emenda 108/2020, a mudança na lógica de redistribuição de recursos do Novo Fundeb orientada pelo Valor Aluno Ano/ Total foi uma vitória contra a desigualdade. O mecanismo garante que o referencial para a redistribuição de recursos federais leve em conta a quantidade total de verbas dedicadas à Educação nos municípios ou estados, garantindo que localidades com menores recursos fora do Fundeb recebam mais dinheiro. O funcionamento dessa lógica equitativa requer um sistema robusto de monitoramento das receitas públicas, e por isso é muito positivo que o PL assegure os meios para que todos os Municípios tenham o VAAT calculado e devidamente atualizado de acordo com a evolução econômica em cada localidade. Além disso, o texto proposto garante que o mecanismo seja operacionalizado já a partir de abril em 2021, fazendo com que os municípios mais vulneráveis recebam R$ 3 bilhões a mais para a Educação Básica.
2→ Mais recursos para a Educação Infantil (VAAT-EI)
Garantir a prioridade da Educação Infantil no financiamento já está na Constituição Federal, um dever que precisa ser regulamentado. O PL aprovado pelos deputados encaminha esse tema trazendo o Valor Aluno Ano/ Total – Ensino Infantil (VAAT-EI). Após muito debate com diversas organizações, a partir de cálculos e simulações, o Todos defendeu ativamente esse modelo de redistribuição, em que as matrículas de Ensino Infantil (Creche e Pré-escola) terão maior peso. O mecanismo é bastante importante para os Municípios mais pobres, podendo ampliar em 80% o valor mínimo destinado às matrículas de Creche nesses locais, ampliando a priorização da Primeira Infância e o caráter protetivo da Constituição Federal aos direitos da criança.
3→ Retirada de recursos da rede pública para a rede privada sem fins lucrativos (conveniada)
Atualmente o Fundeb já contempla o financiamento de matrículas na rede privada conveniada para Educação Especial e Educação Infantil, etapa que ainda sofre com a falta de vagas. Entretanto, durante a primeira votação em plenário da Câmara, foi admitida, após aprovação do Destaque 8 (emenda 10), a distribuição dos recursos para instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos e conveniadas com o poder público no Ensino Fundamental e no Ensino Médio regulares, etapas nas quais já há vagas suficientes na rede pública. Ainda que impondo uma limitação para 10% das matrículas em cada etapa, conforme previa o texto, essa mudança drenaria recursos da rede pública para a privada, ampliando a desigualdade e sem garantir benefício efetivo ao atendimento escolar, e portanto, representaria um retrocesso. Na prática, a mudança retiraria recursos dos Municípios com menor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), e, portanto, mais vulneráveis, para dar aos de melhor IDHM, onde há uma maior concentração dessa oferta.
O Todos Pela Educação se posicionou frontalmente contra a alteração, que já havia sido barrada na discussão da PEC, mas foi incluída tardiamente e aprovada na votação dos destaques na Câmara. No Senado, esse destaque voltou a ser rejeitado e, na tramitação definitiva da Câmara, grupos que tentaram reinserir esses destaques não obtiveram sucesso.
4→ Preservação da cesta de impostos vinculados ao Fundo
O PL 4372/2020 traz um avanço significativo para impedir retrocessos na destinação de recursos à Educação, medida inserida como resultado dos esforços de articulação do Todos Pela Educação. Nossa defesa, que entrou no texto e foi aprovada pelos Deputados, é que o total de recursos vinculados ao Fundeb nos Estados, Municípios e Distrito Federal deve ser sempre no mínimo igual à média dos 3 últimos exercícios, protegendo a Educação caso uma eventual reforma tributária, substitua ou elimine impostos hoje vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino.
5→ Valorização dos profissionais da Educação Básica e ampliação das categorias contempladas
Na vigência do Fundeb até 2020, havia regra mínima para que 60% dos recursos do Fundo fossem utilizados para o pagamento de profissionais do Magistério. Conforme a EC 108/2020, o novo Fundo abrange na regra mínima (agora de 70%) os profissionais da Educação com uma ampliação das categorias que compõem o conceito. O Relatório apresentado na primeira tramitação da Câmara mantinha o texto do art. 61 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e incluía, ainda, os psicólogos e assistentes sociais, fruto de um acordo entre a relatoria e a oposição. Entretanto, após a aprovação do Destaque 4 (emenda 6) na primeira votação do plenário da casa, foram incluídos ao conceito de profissionais da Educação “os terceirizados e os profissionais de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos”, uma ampliação preocupante, pois poderia ser um incentivo ao aumento de profissionais terceirizados nas redes de ensino. Ademais, apesar de o dispositivo limitar a 10% do total de matrículas do Ensino Fundamental e Médio, os montantes destinados aos profissionais de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas consumiriam recursos que seriam inicialmente destinados aos profissionais de instituições públicas de ensino, promovendo uma desvalorização dessa categoria. A defesa do Todos Pela Educação foi de que o Senado mantivesse o texto proposto inicialmente pelo Deputado Felipe Rigoni (PSB/ES), relator da matéria, retirando essas categorias do conceito de Profissionais da Educação, o que ocorreu.
6→ Melhor acompanhamento do Fundeb pela sociedade
Outro grande avanço trazido pela EC 108/20 foi a valorização e fortalecimento dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb (CACS), assegurando sua autonomia e manutenção. Conforme defendemos, a Lei de Regulamentação estabelece a formação periódica dos conselheiros(as), a ampliação e a adequação dos mandatos, bem como a integração dos CACS aos demais conselhos da Educação.
7→ Complementação da União por resultados educacionais (VAAR)
A destinação de recursos a partir de avanço nos resultados educacionais está prevista apenas para 2023. No entanto, a Lei de Regulamentação já pactua algumas das condições de gestão a serem satisfeitas pelos entes para receber tais recursos, deixando clara a associação do VAAR a resultados de aprendizagem que combinem avanço na qualidade e na equidade – esta entendida como a diminuição das desigualdades entre grupos socioeconômicos e étnico-raciais. Tais inclusões devem ser comemoradas pois colocam o Fundeb no sentido correto de aliar a indução de resultados educacionais ao enfrentamento de desigualdades, fruto de um amplo entendimento entre os Parlamentares.
8→ Novos fatores de ponderação de equidade (fiscal e socioeconômica)
Semelhante ao VAAR, citado acima, os fatores de ponderação de equidade também têm prazo maior para entrarem em vigor e devem ser tratados na revisão de regulamentação do Fundeb em 2021. Na realidade, seria um grande desafio finalizá-los em tempo hábil neste ano, uma vez que o processo exige modelagem de cálculos e estudos robustos. Apesar disso, como faz a Lei de Regulamentação aprovada, é importante sinalizar aos Estados e Municípios os conceitos associados a esses fatores, de modo que os entes possam ir ajustando as políticas públicas enquanto os órgãos técnicos desenvolvem o mecanismo. Isso é fundamental para que as redes de todo Brasil tenham ampla compreensão dos efeitos da distribuição dos recursos quando os novos fatores entrarem em vigor.
9→ Educação Profissional Técnica
O Relatório apresentado na Câmara ampliou a dupla contagem de matrícula para Educação Profissional técnica de nível médio, algo que inicialmente era limitado à Educação Especial. Os efeitos de tal inclusão, no entanto, ainda são incertos, uma vez que os impactos da medida para a distribuição dos recursos entre Estados e Municípios ainda não foram calculados. Por esse motivo, o Todos Pela Educação defende que isso seja contemplado na revisão dos fatores de ponderação em 2021, quando os cálculos estarão mais avançados e poderão subsidiar esse debate. O Relatório também incluiu a contabilização das matrículas da modalidade nas instituições públicas e privadas sem fins lucrativos para a distribuição do Fundeb, impacto que também não foi mensurado. Adicionalmente, durante a primeira votação na Câmara, foi aprovada a emenda 40 (DTQ 6), que permite parceria ou conveniamento dos serviços nacionais de aprendizagem (Sistema S), posteriormente rejeitado no Senado. O Todos Pela Educação foi contrário à inclusão, pois ela contribui para a retirada de recursos do Fundeb das instituições públicas de ensino para entidades de direito privado, que já são financiadas com recursos públicos.
10 → Outros destaques incluídos na primeira votação da Câmara
Foi incluído pelos deputados na primeira votação, por meio da emenda nº 7 (DTQ 9), o cômputo das matrículas no contraturno como complementação da jornada escolar. Além disso, prevê-se a ponderação (0,3) para essa categoria no exercício de 2021. Essa sistemática, além de destinar mais recursos do Fundeb para escolas privadas, geraria estímulo dissonante à ideia de Educação Integral prevista no Plano Nacional de Educação (PNE). Por isso, foi positiva a supressão do destaque no Senado, que foi referendado pela Câmara em 17 de dezembro, na votação final do PL.
Tendo em vista que o Relatório posterga a revisão dos fatores de ponderação para 2021, e que já existe ponderação para a Educação Integral, a inclusão torna ainda mais complexos os fatores, que já são muitos, e faz mudanças nos fatores de ponderação que deveriam ser feitas apenas em 2021.
O último destaque aprovado na primeira votação da Câmara (DTQ 1) obrigava o Poder Público a fixar, até 31 de dezembro de 2021, o piso salarial profissional nacional para os profissionais do Magistério, o que reforçaria a necessidade de revisar a lei que trata do tema. A necessidade da revisão seria justificada pela vinculação atual do piso à variação do valor aluno ano do Fundeb, o que torna o reajuste suscetível às variações de arrecadação dos impostos vinculados ao Fundeb – como aconteceu em 2020. No entanto, esse destaque também acabou sendo suprimido pelo Senado.
OUTRAS LEIS RELACIONADAS À EMENDA CONSTITUCIONAL 108/2020 QUE DEVERÃO SER TRATADAS EM BREVE
⧫ Piso Salarial do Magistério (previsão aprovada pela Câmara)
⧫ Leis estaduais de ICMS, a serem aprovadas em até 2 anos nas assembleias legislativas
⧫ Lei do Sistema Nacional de Educação, que regulará o Custo Aluno-Qualidade
⧫ Regramento a respeito da padronização de dados contábeis e organização da fiscalização das despesas públicas (alguns aspectos entram na regulamentação do Fundeb e outras exigem outros detalhamentos exteriores)
E AGORA?
O PL atende ao que é necessário a ser regulamentado no Fundeb em 2020?
O Projeto de Lei original não atendia a totalidade dos pontos para fazer o Fundeb funcionar em 2021, mas o substitutivo apresentado pelo Deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) na Câmara dos Deputados, sim. O texto foi bem construído e respeitou grande parte do espírito da EC 108/2020. Embora o relatório tenha recebido destaques em sua primeira passagem pela Câmara que deveriam ter sido evitados, os mesmos foram suprimidos na passagem pelo Senado e não foram reinseridos na segunda passagem pela Câmara. Assim, o PL resultando foi muito positivo. Agora, o texto resultante segue para sanção presidencial, que tem o prazo de 15 dias para ocorrer.
O que ocorrerá se o substitutivo ao PL 4372/20 não for sancionado?
Se não for sancionado em 15 dias, os mais afetados serão os estudantes mais vulneráveis: 7 milhões de crianças e jovens de localidades mais pobres deixarão de receber 3 bilhões de reais no início do próximo ano letivo. Além disso, em um contexto de cortes de verbas na Educação, somados aos déficits (de até R$40 Bi) na arrecadação dos Estados e Municípios causados pela pandemia, pode haver graves prejuízos à volta às aulas presenciais.
E você com isso? Entenda por que acompanhar a regulamentação do Fundo
As políticas públicas e os processos a elas relacionados podem parecer confusos e difíceis de compreender a primeira vista, mas, tudo que está por trás da elaboração de políticas públicas educacionais, como o novo Fundeb ou mesmo o SNE (as fórmulas, sistemas, organização de instâncias de pactuação), muda a vida e a história de milhões de brasileiros. São decisões que, tomadas agora, impactarão muitas gerações, e o mais importante: podem beneficiar os estudantes que nascem em regiões pobres do Brasil, que precisam de mais apoio para romper os ciclos de falta de perspectiva.
Assim, a etapa de regulamentação do novo Fundeb foi histórica para nossas crianças e jovens, pois definiu o formato do novo capítulo da Educação Pública no Brasil.
E o próximo grande debate contra as desigualdades educacionais, qual é?
O Sistema Nacional de Educação! Guarde esse nome. Nunca ouviu falar do assunto? Pois ele está na Constituição Federal desde 1988. E diz respeito a algo que todos nós conhecemos: criar sinergia de esforços, neste caso, na Educação. Embora o Brasil tenha um sistema de ensino, com responsabilidades divididas entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, faltam espaços para que os processos da área (a passagem do Fundamental para o Médio, por exemplo) sejam coordenados. Regulamentar o SNE está ligado à melhoria na gestão da Educação: evitará desperdício de recursos e aumentará a eficiência e igualdade entre os alunos.
Um exemplo prático ligado ao financiamento da Educação no SNE é garantir um pacto dos primeiros referenciais de um padrão mínimo de qualidade da oferta de Educação, como propõe a Constituição. Fundamental para combater as desigualdades, essa definição requer pactuação federativa (isto é, uma construção coletiva entre União, Estados e Municípios) mais ampla e bem informada sobre evidências da qualidade das escolas brasileiras e secretarias de ensino de todo o Brasil.
Crédito Imagem: Marcelo Camargo/ Ag. Brasil