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O que é e como funciona o Fundeb?

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Publicado originalmente  em 28/09/2020 

Um novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) foi aprovado no Congresso Federal em agosto de 2020, com a promulgação da Emenda Constitucional 108/2020  (PEC15/2015, na Câmara; e  PEC 26/2020, no Senado), e regulamentado em dezembro daquele mesmo ano.

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Para que você entenda a importância dessa discussão e da política de financiamento educacional, só em 2019, o fundo redistribuiu aos estados e municípios um montante de cerca de R$ 165 bilhões. Parece bastante dinheiro? E é, mas antes de considerar esse valor em quantidade, você sabe o que é o Fundeb, como ele funciona e impacta as escolas lá na ponta?

Se você tem dúvidas, a gente te ajuda com essa série de perguntas e respostas sobre ele.

O que é o Fundeb?

O Fundeb não é um único fundo, na verdade, é um conjunto de 27 fundos (26 estaduais e 1 do Distrito Federal) que serve como mecanismo de redistribuição de recursos destinados à Educação Básica. Isto é, trata-se de um grande cofre do qual sai dinheiro para valorizar os professores e desenvolver e manter funcionando todas as etapas da Educação Básica – desde creches, Pré-escola, Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio até a Educação de Jovens e Adultos (EJA) – não, a Educação Superior não entra nessa conta. O Fundeb entrou em vigor em janeiro de 2007 e se estendeu até 2020, conforme previa a Emenda Constitucional nº 53, que alterou o Art. 60 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Com a aprovação da Emenda Constitucional 108/2020, ele foi aperfeiçoado e se tornou permanente e, com o Projeto de Lei 4372/2020, ele foi regulamentado.

 

Qual importância e objetivos do Fundeb?

O Fundo tem como objetivo fazer com que haja menos desigualdade de recursos entre as redes de ensino. E é muito importante, pois faz com que a diferença entre a rede que mais investe por aluno e a que menos investe caia consideravelmente. De acordo com um Estudo Técnico  da Câmara dos Deputados de 2017, sem a política de fundo, a desigualdade seria de 10.000%. Com as atuais regras, a distância é de 564%.

Além disso, o Fundeb (2007-2020) ajudou os sistemas de ensino a se organizarem melhor no que diz respeito ao atendimento escolar de toda a Educação Básica. O fundo deu e dá segurança financeira aos municípios e estados para expandirem seu número de matrículas e os orienta no cumprimento de suas responsabilidades com a Educação. Dessa maneira, municípios são incentivados a se concentrarem na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, e os estados, nos Anos Finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio.

Havia um outro fundo de financiamento antes do Fundeb?

O Fundeb (2007-2020) substituiu o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) que vigorou entre 1998 e 2006. O fundo atual é uma evolução do mecanismo anterior porque, apesar de utilizar a mesma metodologia, passou a redistribuir um conjunto maior de impostos observando todas as matrículas da Educação Básica, e não apenas as do Ensino Fundamental. Em agosto de 2020, um Novo Fundeb – maior, melhor, mais justo – foi aprovado e regulamentado e está em vigor.

Como o fundo funciona?

Como dito anteriormente, cada estado e o Distrito Federal têm um fundo que funciona praticamente como uma conta bancária coletiva em que entram recursos de diferentes fontes de impostos estaduais e municipais e, em alguns casos, transferências do Governo Federal para os estados e os municípios (saiba mais abaixo). Seguindo uma série de regras, esse total é redistribuído de acordo com o número de alunos da Educação Básica Pública (ou da rede conveniada, em alguns casos) de cada rede e das etapas e modalidades de ensino (algumas são mais “caras” que outras, isto é, recebem um valor maior devido à complexidade do atendimento educacional).

Como é feita a distribuição dos recursos do Fundeb dentro dos estados?

Cada fundo estadual distribui seus recursos de acordo com o número de estudantes que estão matriculados em sua rede de Educação Básica. Essa regra é estabelecida segundo dados do Censo Escolar do ano anterior (por exemplo: os recursos de 2019 basearam-se no número de alunos de 2018). Esse método serve para distribuir melhor os recursos pelo País, já que leva em consideração o tamanho das redes de ensino.

Na soma de estudantes matriculados de cada rede de ensino, cada matrícula conta com peso diferente. Seria inadequado considerar da mesma forma matrículas na Pré-escola integral e no Ensino Fundamental II parcial, por exemplo, uma vez que suas exigências de financiamento são muito diferentes.

Qual o valor mínimo anual a ser repassado por estudante?

Em 2019, o valor mínimo por aluno no Fundeb, considerando o fator de ponderação para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental urbano, foi de R$ 3.044,29. Esse foi o menor valor distribuído por estudante para os estados e municípios brasileiros pelo fundo, sendo definido por Portaria Interministerial do Ministério da Educação e do Ministério da Fazenda.

Todo fundo estadual que teve valor aluno/ano inferior a esse mínimo definido para 2019 recebeu recurso de complementação da União. Com esse mecanismo, a União garante que todos os municípios e governos de estados tenham acesso a um valor por matrícula pelo menos igual ao valor mínimo nacional.

Como é definido o valor mínimo por aluno do Fundeb?

O valor mínimo por aluno do Fundeb é determinado exclusivamente pelo Governo Federal, através da Portaria que citamos acima. Em teoria, conforme previsto em lei, esse valor deveria atingir nível suficiente para garantir um padrão mínimo de qualidade definido nacionalmente. Na prática, como não há um padrão mínimo de qualidade assegurado, a forma de determinação do valor mínimo aluno/ano é informal e complexa, não estando publicada oficialmente pelo Governo Federal.

Vejamos como é determinado esse valor mínimo. O Governo determina, em primeiro lugar, um montante de recursos a ser distribuído por meio da complementação da União ao Fundeb. Para isso, soma-se todos os fundos estaduais e calcula-se 9% desse valor, que é a porcentagem mínima obrigatória para a complementação da União segundo o Art. 60 do ADCT e a Lei nº 11.494/2007.

Com esse valor determinado, o passo seguinte é equalizar os fundos estaduais de baixo para cima, até que se esgotem os recursos de complementação determinados pelo Governo Federal para aquele ano. É como se o Governo tivesse um balde de água e tivesse de, com esse recurso limitado, encher uma torre de taças de vidro da base para o topo, até acabar o líquido. Dito de outra maneira, o Governo distribui as maiores somas do montante da complementação para os estados que mais precisam, isto é, mais na base.

Detalhamos a seguir esse modelo de redistribuição. Primeiro, coloca-se em ordem decrescente os 27 fundos estaduais de acordo com o valor aluno/ano (VAA) peso 1. Segundo, calcula-se a diferença do fundo com menor VAA para o 26º fundo e destina-se, para o fundo com menor VAA, o montante necessário para que o 27º fundo alcance o VAA do 26º fundo. Na sequência, aplica-se aos 27º e 26º Fundos o montante necessário para igualar seus VAAs ao do 25º Fundo. Seguindo, aplica-se aos 27º, 26º e 25º Fundos o montante necessário para igualar seus VAAs ao do 24º Fundo. Esse movimento de equalização segue até que se esgote o montante disponível para complementação da União; o VAA resultante dessa redistribuição após esgotar a complementação é considerado o valor mínimo aluno/ano do Fundeb.

Em 2019, por exemplo, nove estados brasileiros receberam ao longo do ano a ajuda da União para equalização do valor aluno/ano: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí.

O dinheiro do Fundeb pode ser usado em quê?

O dinheiro do Fundeb pode ser usado no financiamento de todos os níveis da Educação Básica. Ou seja, os estados e municípios podem usar livremente os recursos entre as etapas e modalidades, mesmo que eles tenham sido distribuídos por conta da matrícula em um determinado nível de ensino. Não há obrigatoriedade para que o dinheiro oriundo de uma matrícula em creche em um município seja usado necessariamente nessa etapa.

Mas há algumas regras de aplicação que devem ser seguidas.

O QUE PODE: Pelo menos 60% do dinheiro do Fundeb deve ser aplicado no pagamento do salário dos professores da rede pública na ativa. O dinheiro também pode ser usado na remuneração de diretores, orientadores pedagógicos e funcionários, na formação continuada dos professores, no transporte escolar, na aquisição de equipamentos e material didático, na construção e manutenção das escolas – tudo aquilo contemplado pelo Art. 70 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

O QUE NÃO PODE: Não pode, contudo, ser utilizado para pagar merenda escolar, para remunerar profissionais da Educação em desvio de função (por exemplo, um professor que vai trabalhar no gabinete do prefeito) e em outras despesas especificadas pelo Art. 71 da LDB.

De que forma a sociedade pode controlar o que está sendo feito com os recursos?

Os valores repassados podem ser consultados nos sites da Secretaria do Tesouro Nacional e do Banco do Brasil. É possível acessar e acompanhar os repasses por estado ou município, por origem dos recursos e por mês ou dia.

Mas, o que está sendo feito mesmo com os recursos não está, hoje, disponível em portais públicos. Os municípios e estados precisam publicizar a descrição de quanto de suas receitas de impostos é destinado para Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), mas nesses documentos (disponíveis no site do FNDE) só é possível identificar duas categorias: o quanto do dinheiro oriundo do Fundeb é destinado para “pagamento dos profissionais do magistério” e quanto vai para “outras despesas”.

Se você tem interesse em participar de um acompanhamento social mais detalhado deve fazê-lo por meio dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb (CACS). Cada município e estado deve possuir o seu (muitos deles hoje estão em situação irregular), com participação do Poder Executivo local e representantes dos trabalhadores da Educação, pais de alunos e estudantes secundaristas (conforme Art. 24 da Lei nº 11.494/2007). Os CACS acompanham e dão pareceres a respeito da distribuição e aplicação dos recursos do Fundeb, mas não têm poder de aprovar ou reprovar as contas.

Existem instituições ou pessoas que fiscalizam a distribuição e a utilização de recursos do Fundeb?

Além dos CACS, a fiscalização e o controle das finanças do Fundeb em cada município e estado é exercida por órgãos de controle interno (exemplo: Controladorias Gerais), pelos Tribunais de Contas locais (TCEs) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Essas instituições podem reprovar as contas do Fundeb, acionando o Ministério Público da localidade específica para agir juridicamente a respeito.

O Fundeb é um fundo federal?

O fundo recebe verbas tanto do Governo Federal quanto dos estados e dos municípios. Por isso, o fundo não tem essa classificação.

Qual o mecanismo de arrecadação dos recursos do Fundeb?

Por lei, uma série de impostos tem parte de suas receitas vinculadas ao Fundeb (por exemplo, o ICMS) e esse dinheiro deve ser automaticamente transferido para os fundos estaduais.

Quais impostos são utilizados para fornecer recursos ao Fundeb?

Os impostos pagos que compõem a arrecadação do Fundo são:

  • Fundo de Participação dos Estados (FPE) e Fundo de Participação dos Municípios – (FPM) – são fundos, criados pela Constituição,que transferem recursos arrecadados pela União para estados e municípios.
  • Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) – imposto estadual embutido nos produtos, mercadorias e serviços de transporte e de comunicações.
  • Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações (IPI exp) – pago para os estados por quem importa, produz ou comercializa produtos industrializados (como fogões e geladeiras, por exemplo).
  • Desoneração das Exportações (LC nº 87/96) – valor que o governo federal repassa aos estados para compensar a desoneração das exportações (medida que torna a arrecadação estadual menor).
  • Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD) – imposto pago para os estados por quem recebe bens, heranças, doações e diferenças de partilhas.
  • Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) – imposto pago para os estados por todas as pessoas que possuem veículos automotores, ou seja, quem tem carros e motos, por exemplo.
  • Cota parte de 50% do Imposto Territorial Rural (ITR) devida aos municípios – ITR é um imposto pago pelas propriedades na área rural. Seria o equivalente ao IPTU, mas na zona rural. Ele é arrecadado pelos estados e parte dele é transferido aos municípios.

Nenhum dos impostos arrecadados diretamente pelos municípios faz parte do Fundeb. Vale lembrar que os municípios são obrigados a investir no mínimo 25% de seus tributos na Educação, como manda o artigo n° 212 da Constituição Federal.

Como variam o tamanho do Fundeb e o valor mínimo aluno/ano?

Como cada fundo estadual é composto apenas por receitas de impostos vinculadas ao Fundeb, o tamanho monetário do Fundeb flutua de acordo com as variações na arrecadação tributária do País. Em momentos de recessão, em que as receitas caem em termos reais (descontada a inflação), o Fundeb diminui em termos reais. Já em momentos de maior crescimento econômico, como se observou entre 2010 e 2013, há expansão considerável do Fundeb. Por isso dizemos que o Fundeb é uma política “pró-cíclica”, que segue os ciclos econômicos do país.

Da mesma forma, como a complementação da União tem seguido uma regra informal de se ater a uma parcela da soma dos fundos estaduais, o valor mínimo aluno/ano também flutua de acordo com as variações econômicas. É isso que justifica o fato do valor mínimo ter crescido tanto no início da década e tão pouco nos anos mais recentes.

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