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Pelo direito de ser criança: contra o trabalho infantil

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O Dia das Crianças é uma data para celebrar as oportunidades que só essa fase da vida oferece, como a disposição e a criatividade para usar a imaginação, divertir-se, brincar e, claro, aprender. Afinal, a infância é conhecida por ser uma etapa permeada de cuidados, mas também de ludicidade, termo que se refere a jogos, brincadeiras e divertimento.

No entanto, para cerca de 2,7 milhões de crianças e jovens amanhã não será um dia de comemoração, mas sim outro dia de trabalho. De acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (Pnad) de 2015, esse é o número de brasileiros entre 5 a 17 anos que sofrem com o trabalho infantil. Com essa marca, é muito provável que o Brasil não consiga erradicar o trabalho infantil até 2025, conforme se comprometeu ao assinar o documento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas (ONU).

Crianças e jovens submetidos ao trabalho infantil têm o desenvolvimento comprometido, afetando-lhes a saúde física e psicológica. Exemplo disso é a relação entre o trabalho precoce e o menor rendimento escolar, evidência encontrada em um estudo da Universidade de São Paulo (USP) realizado pela professora e pesquisadora Ana Lúcia Kassouf.

Mas o que é trabalho infantil, afinal? No Brasil, a Constituição Federal de 1988, no artigo 7º, inciso XXXIII, classifica assim todo trabalho exercido por menores de 16 anos, exceto aquele realizado por jovens a partir de 14 anos sob o contrato de aprendiz. Em 2000, foi aprovada a Lei da Aprendizagem, estabelecendo como condição fundamental para legalidade desse tipo de contrato que o menor não seja impedido de frequentar a escola.

Ainda que possa parecer trivial, essa exigência não é simples, como explica o consultor em direitos humanos de crianças e adolescentes, Marcelo Nascimento. “O primeiro passo é abandonar a escola porque, uma vez cansada, a criança não tem forças e fica sem disposição para estudar”, afirma ele.

Vinicius Anechine, gerente geral do Instituto Social Santa Lúcia, concorda. “A maioria (das crianças que trabalham) está estudando, mas não consegue concluir o ano letivo. Quando conclui, o desgaste é tamanho que o rendimento escolar é baixíssimo”, diz ele. Criado há 18 anos, o instituto atua na assistência social à população em situação de rua e outras formas de vulnerabilidade social e violação de direitos.

As motivações para o trabalho infantil estão principalmente relacionadas à geração de renda. Nas regiões urbanas, famílias sem sustento impõem aos filhos a venda de balas nos faróis das cidades, por exemplo. Apesar disso, 85% das crianças entre 5 a 9 anos submetidas a esse tipo de situação estão na área rural, de acordo com o estudo “O Trabalho Infantil no Brasil – O desafio do trabalho infantil nas atividades agrícolas”, da Fundação Abrinq, baseado na Pnad 2015.

A gerente executiva da Abrinq, Denise Cesário, explica como a prática se mantém no campo. “Fatores culturais levam à participação de crianças em atividades agropecuárias. Além disso, as meninas acabam fazendo o trabalho doméstico enquanto o resto da família faz o cultivo ou colheita. É uma situação preocupante e penosa que traz prejuízos irreparáveis”, afirma ela.

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Recuperar vínculos e prevenir com a escola

É preciso ressaltar que trabalho infantil também representa uma porta para várias outras violações de direitos. “A partir do momento em que a criança se afasta da sua comunidade, vai para outras regiões e conhece outras pessoas, ela se aproxima da situação de rua”, explica Anechine.

Diante de uma situação grave como essa, Marcelo Nascimento destaca o desafio de tirar a criança do trabalho e reconstruir os seus vínculos anteriores, que foram quebrados. “É preciso dar a ela a oportunidade de voltar à escola e despertar a perspectiva de uma nova atividade. Será um novo rompimento porque essa criança se considerava uma trabalhadora. Nesse sentido, é necessário resgatar o valor dela estar na escola”, afirma o consultor.

Se o acesso à Educação é o primeiro direito perdido pelas crianças nessa situação, a escola é a peça-chave no combate e prevenção dessa mazela social. “A escola é fundamental. Por estar inserida na comunidade, ela pode identificar os casos de vulnerabilidade e fazer um diagnóstico precoce antes que o vínculo se rompa”, explica Anechine.

Já Denise, da Fundação Abrinq, enfatiza a possibilidade de tratar do assunto em sala de aula. “A Educação pode atuar para que as crianças e jovens saibam porque o trabalho infantil ocorre e a importância de combatê-lo. É necessário mostrar que, independentemente da renda, a escola é a melhor estratégia para o desenvolvimento equitativo da sociedade, uma vez que garante a todas as crianças os mesmos direitos”, diz ela.

Denise ressalta ainda a necessidade de mais investimento para que o Brasil erradique o trabalho infantil. “Redes de aliciadores, trabalho doméstico, tráfico de drogas e exploração sexual comercial são mais difíceis de identificar. Casos mais complexos como estes exigem inteligência e aparelhamento do Estado para que o combate seja efetivo”, aponta.

Além disso, a especialista reivindica maiores repasses aos municípios, que são os responsáveis por implementar as ações contra o trabalho infantil. O consultor Marcelo Nascimento concorda e cobra mudanças nos órgãos locais. “O combate precisa começar pelo Conselho Municipal de Direitos Humanos que deve ter um diagnóstico da situação e também elaborar o Plano Municipal de Erradicação do Trabalho Infantil”, explica Marcelo.

COMO AJUDAR: DENUNCIE!

 

Pelo telefone, é só ligar no Disque 100 para fazer uma denúncia anônima e gratuita, que será encaminhada ao órgão responsável.

 

Na internet, é possível denunciar casos de trabalho infantil ao Ministério Público do Trabalho.

 

Recebem denúncias pessoalmente os órgãos: Conselho Tutelar, Secretaria de Assistência Social, Delegacia Regional do Trabalho e Ministério Público do Trabalho.