Para viabilizar a reabertura de escolas é preciso reordenar prioridades políticas, investir recursos e muita energia
Em artigo publicado em setembro, argumentamos que a discussão sobre a reabertura de escolas deveria fugir do binarismo abre/não abre e se concentrar no “como” reabrir quando as autoridades sanitárias indicassem ser possível. Reconhecemos então – e reafirmamos aqui – a complexidade do debate e que a discussão sobre a reabertura de escolas nada tem a ver com menosprezo pela vida, nem ignora o gravíssimo cenário imposto pela pandemia. Pelo contrário, trata-se de reconhecer a função estruturante da escola na garantia dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, além de seu papel central na vida das famílias.
Considerando a extensão dos impactos do fechamento das escolas nas crianças e jovens e novas evidências associadas à discussão, entendemos que é hora de dar um passo além. Frente ao que se sabe hoje, entendemos que é preciso fazer de tudo para viabilizar a reabertura de escolas, ainda que de forma gradual. E isso significa reordenar prioridades políticas, investir recursos e muita energia.
O que já se suspeitava a partir de pesquisas sobre os efeitos advindos de longos fechamentos de escolas em função de desastres naturais, cenários de pós-guerra ou pandemias localizadas, tem se confirmado com contundência avassaladora: os efeitos nas crianças e jovens são absolutamente brutais e terão repercussões duradouras. Além de prejuízos graves ao desenvolvimento e à aprendizagem, é preciso considerar os riscos ampliados sob os quais podem estar sujeitos: insegurança alimentar e física, estresse tóxico, trabalho infantil, maior exposição à violência sexual e sérios comprometimentos da saúde mental dos estudantes. Os efeitos são ainda mais brutais entre os mais vulneráveis: pobres, negros, rurais e periféricos, que mais dependem da escola pública.
Uma das consequências mais catastróficas advindas de grande parte desses efeitos é o abandono escolar. Um estudo divulgado recentemente por pesquisadores da Universidade de Tulane, nos Estados Unidos, estima que, em função dos impactos do fechamento prolongado, a probabilidade média de os estudantes da América Latina completarem o ensino médio deve cair de 56% para 42%, em breve. No Brasil, o estudo prevê que a queda será a mais acentuada dentre os países latino-americanos: 23 pontos percentuais – sendo que o declínio chega a 32 p.p entre os alunos brasileiros filhos de famílias de baixa escolaridade.
Especialistas da área da saúde têm apontado categoricamente nos últimos meses que, diferentemente do que se pensava no começo, crianças representam baixo risco de transmissão. Em meados de 2020, uma série de estudos em outros países já apontava que as escolas não representavam foco de disseminação da Covid-19, quando seguidos protocolos sanitários rígidos e contempladas estratégias intersetoriais para o controle da pandemia, como testagem em massa e distanciamento social. Além disso, existem experiências bem-sucedidas, no Brasil e no mundo, de reabertura gradual e responsável, que revelam como as escolas, quando preparadas, podem, sim, ser reabertas com segurança. Há que se investir nesse preparo.
Muitos países que estão decidindo por novos fechamentos de setores econômicos devido a uma segunda onda da Covid-19 têm mantido suas escolas abertas, considerando a Educação como serviço essencial. Em todo o mundo, países com diferentes realidades socioeconômicas tentam soluções para garantir aulas presenciais.
São experiências que mostram que a sociedade deve se mobilizar e cobrar das autoridades e da comunidade escolar a preparação necessária para viabilizar o retorno. Não podemos insistir na lógica de “dar tempo ao tempo” ou esperar pela vacinação de todos – o que parece longe de se concretizar no País, uma vez que o plano de imunização é incerto, faltam insumos e não há ainda perspectiva para que pessoas fora dos grupos de risco sejam vacinadas em 2021. Para as crianças e jovens, sequer há testagem das vacinas.
O Todos Pela Educação não está defendendo “reabrir escolas a qualquer custo”, tampouco “reabrir escolas no Brasil inteiro ao mesmo tempo” e muito menos “reabrir escolas já que outros setores estão abertos”. O que defendemos é que medidas necessárias sejam planejadas para que esta possibilidade se torne viável o quanto antes. Tal condição passa, necessariamente, por uma revisão das escolhas políticas que definirão quais serviços devem ser priorizados em meio à pandemia. Passa por considerar que, com o fim do auxílio emergencial, milhões de crianças estarão sujeitas, em última instância, a não ter o que comer em suas residências. Passa também pelo investimento para viabilizar um retorno seguro e estruturado, com uma resposta educacional à altura.
“Ah, mas não há dinheiro para fazer isso tudo”, dirão alguns. Não é, porém, o que sugere o vexatório pleito feito por parte da classe política de desobrigar os governantes do atingimento do mínimo constitucional de 25% dos gastos para Educação em 2020, alegando que as despesas com a área em 2020 foram “reduzidas” em função do fechamento de escolas. Quem está fazendo a lição de casa, e alguns felizmente estão, quer mesmo é mais recursos para fortalecer as suas ações, considerando que a travessia será longa. E estão certos em fazer esse pleito, pois uma resposta adequada requer muito investimento, enquanto a queda na arrecadação, que afetou gravemente o país, sinaliza para um futuro muito desafiador.
Precisamos colocar no centro da discussão o preceito de prioridade absoluta da infância disposto no artigo 227 da Constituição Federal. Na medida em que uma nova onda da pandemia se consolida, o debate (espera-se) novamente estará posto: o que permanece aberto e o que fecha? Prefeitos, governadores, secretários de Saúde e de Educação podem e devem reavaliar suas prioridades de acordo com os índices de cada região, ouvir as autoridades de Saúde e a comunidade escolar e, de acordo com o contexto e as normativas vigentes, tomar as ações necessárias para possibilitar uma abertura – repita-se, ainda que gradual. Manter escolas fechadas em detrimento de serviços não-essenciais é precisamente o que não podemos seguir assistindo.
Para reabrir com segurança e qualidade educacional é preciso planejamento cuidadoso, muita articulação local e diálogo com os envolvidos, em especial, profissionais da educação, pais e alunos sobre as inúmeras medidas que precisam ser tomadas. Entre elas, o afastamento total dos professores do grupo de risco, melhorias de infraestrutura, formação de equipes, construção de plano de retomada curricular e recuperação de aprendizagem, além da provável necessidade de rodízio entre alunos para redução do tamanho das turmas. A missão abrange também a inclusão dos professores entre os grupos prioritários para receber a vacina – ainda que esse não seja um condicionante para a volta gradual, certamente pode acelerar o processo para a reabertura total.
A falta de planejamento, demonstrada até aqui, tem aumentado o sentimento de insegurança de todos. É fundamental que os governos estabeleçam critérios claros para determinar as medidas a serem tomadas em cada cenário relacionado ao grau de criticidade da pandemia, para que haja maior previsibilidade sobre o que abre e o que fecha, colocando a Educação entre as atividades prioritárias e embasando o acompanhamento da sociedade.
Há múltiplos documentos disponíveis com recomendações à gestão pública para apoiar o planejamento da reabertura. Soma-se a eles um material recém-lançado pelo Todos Pela Educação que será enviado em versão impressa às 5.568 prefeituras do País e já está disponível online.
Para finalizar, afirmamos que é preciso acolher a angústia com relação a um possível retorno, especialmente dos professores. Além das sabidas carências históricas de infraestrutura em muitas escolas, a chegada de uma segunda onda, por si só, gera temores naturais. Razões suficientes para, o mais rápido possível, redobrarmos a aposta num diálogo transparente e informativo sobre os caminhos que nos levarão a um retorno seguro e com uma resposta educacional à altura.