OPINIÃO: O CORTE ETÁRIO E O ANO LETIVO DE 2019: QUE REGRA SEGUIR?
Gabriela reside em um dos 8 estados brasileiros que não segue o corte etário definido em 2010 pelo Ministério da Educação (MEC). Essa regra, que foi alvo de uma intensa batalha judicial, exige que a criança tenha 6 e 4 anos completos até o dia 31 de março do ano de sua matrícula no 1º ano do Ensino Fundamental e na Pré-escola, respectivamente. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que julgou sua constitucionalidade ainda não foi publicada. Como Gabriela completará 6 anos em junho de 2019, a escola privada onde estuda decidiu que ela ficará retida na Pré-escola e não poderá cursar o 1º ano do Ensino Fundamental no próximo ano.
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O STF e o corte etário
Com placar apertado (6 x 5), o STF concluiu, em 1º de agosto deste ano, o julgamento de duas ações relativas ao chamado corte etário: a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 17, que foi ajuizada, em 2007, pelo governador do Mato Grosso do Sul e pleiteava a declaração de constitucionalidade da norma da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) que prevê a idade de 6 anos completos para o início do Ensino Fundamental; e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 292, proposta em 2013 pela Procuradoria-Geral da República, que questionava a constitucionalidade das Resoluções nº 1/2010 e nº 6/2010 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE/CEB), devidamente homologadas pelo MEC, que exigem que a criança tenha 6 e 4 anos completos até o dia 31 de março do ano de sua matrícula no 1º ano do Ensino Fundamental e da Pré-escola, respectivamente, sob o argumento de que este critério violaria o princípio da igualdade e da acessibilidade à Educação Básica obrigatória.
O voto de minerva da então Presidente do STF Carmen Lúcia encerrou o imbróglio jurídico que perdurou anos ao decidir que é constitucional a exigência de 6 anos de idade para ingresso no Ensino Fundamental e que cabe ao MEC a definição do momento em que a criança deverá preencher o critério etário. Não há mais dúvidas, após esse julgamento, de que o critério etário definido pelo MEC nas Resoluções nº 1/2010 e 6/2010 do CEB/CNE deve ser seguido nacionalmente, por todos estados e municípios, e aplica-se indistintamente à rede pública e privada.
A decisão do STF deixa claro que o corte etário é uma norma geral de Educação, cuja competência é da União. Aliás, não poderia ser diferente, pois a LDB atribui à União a coordenação da política nacional de Educação, articulando os diferentes níveis e sistemas de ensino, com função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais. Por se tratar de matéria de competência legislativa concorrente, cabe à União estabelecer normas gerais de Educação e aos Estados suplementá-las. Na prática, essa atribuição é exercida pelo MEC, assessorado pelo CNE. Com 26 Estados, um Distrito Federal e 5.570 municípios, se não houver uma data unificada em todo o território nacional a coordenação da política nacional de Educação fica prejudicada, gerando insegurança jurídica até mesmo em casos corriqueiros como o de transferência de alunos.
A diversidade de limites-etários
Embora vigentes desde 2010, as resoluções do CNE não eram observadas de modo uniforme em todo o território nacional. Muitos entes da federação não adotavam essa regra, amparando-se em leis próprias, resoluções de Conselhos Estaduais ou Municipais ou mesmo decisões judiciais.
As resoluções já estiveram suspensas por decisão judicial em 12 Estados e, até o julgamento do STF, continuavam em 7 (MG, BA, TO, MA, RN, PA, RO). Apenas para se ter um exemplo da diversidade de regras existentes e que coexistiam, na cidade de São Paulo o sistema de ensino municipal observava o corte etário previsto pelo CNE e, o sistema de ensino estadual, o limite etário fixado em 30 de junho pelo Conselho Estadual de Educação.
Em função dessa situação, as escolas não sabem ao certo o que fazer no próximo ano letivo, especialmente se não observavam o critério etário do MEC/CNE. Na dúvida, muitas escolas estão impedindo que crianças tenham assegurada a progressão na sua trajetória educacional, separando-as do seu grupo original. Ocorre que essas dúvidas e incertezas são decorrentes de uma desinformação generalizada, pois já existe uma regra de transição a ser observada.
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Regra de transição do MEC
Para eliminar dúvidas e incertezas, o MEC editou a Portaria nº 1.035/2018, publicada no dia 8 de outubro, que homologou o Parecer CNE/CEB nº 2/2018, aprovado em 13 de setembro, e orientou todos os sistemas de ensino.
O MEC reafirmou que a data de corte a ser observada em todo território nacional é a definida nas Resoluções nº 1/2010 e 6/2010 e que todas as novas matrículas de crianças, tanto na Pré-escola quanto no Ensino Fundamental, a partir do ano letivo de 2019, serão realizadas considerando a data de corte de 31 de março. O texto frisou também que as normatizações vigentes produzidas pelos sistemas de ensino estaduais e municipais que estejam em dissonância precisarão ser revisadas e alinhadas ao critério etário nacional.
Para nortear os sistemas de ensino que não observavam o corte etário nacional até o julgamento do STF, o MEC previu uma regra de transição. Garantiu o direito das crianças que, até a data da publicação da Portaria, já se encontravam matriculadas e frequentando instituições educacionais de Educação Infantil, tanto na etapa da Creche quanto na Pré-escola, à progressão para as etapas subsequentes, sem interrupção, mesmo que sua data de nascimento seja posterior ao dia 31 de março. A norma do MEC enfatizou que o direito à continuidade do percurso educacional é da criança, independentemente de mudança/transferência de escola ou de sua mobilidade no território nacional.
É importante observar – relembrando o que já decidiu o Tribunal Pleno do STF, na Reclamação nº 2.576-4 Santa Catarina (2004) e nos Embargos de Declaração na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.756-1 Distrito Federal (2007) – que as decisões proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade, a exemplo das ações ADC e ADPF, produzem efeitos a partir da publicação da ata de julgamento. No caso relativo ao corte etário, esse momento ocorreu precisamente no dia 8 de agosto – uma semana após o julgamento.
Como não há dúvidas, portanto, de que cabe ao MEC fixar o limite etário para ingresso na Pré-escola e no Ensino Fundamental, é importante que os Conselhos Estaduais e Municipais de Educação orientem seus respectivos sistemas quanto à regra de transição em vigor. Não é necessário aguardar a publicação da decisão do STF para se ter um horizonte do que deve ser feito. A regra está posta e, segundo ela, Gabriela poderá seguir sua trajetória acadêmica e cursar o 1º ano do Ensino Fundamental em 2019.
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*Alessandra Gotti é Doutora em Direito Constitucional pela PUC/SP. Sócia de Hesketh Advogados e presidente-executiva do Instituto Articule. Foi consultora da UNESCO e Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação – CNE. É sócia efetiva do movimento Todos Pela Educação.