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Educação de Jovens e Adultos: ganhando de virada na Educação

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Poucas são as pessoas que não se lembram da goleada da Alemanha sobre o Brasil em 2014. A equipe brasileira ainda disputaria o terceiro lugar, mas, na prática, a Copa havia terminado para nós. Quatro anos depois, a nova seleção vem aos poucos tentando fazer com que o País acredite de novo, prometendo uma trajetória diferente neste ano. Por todo o Brasil, a mesma lógica se repete, só que na frente dos livros. Estudantes que não conseguiram os resultados esperados em campo, abandonaram a escola e agora tentam retomar a confiança em si mesmos e começar de novo.

Como Daniel Ponce David, 21, que está em treinamento, mas não de futebol, ou qualquer outro esporte. O jogo dele é outro: passar no Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) e driblar, como ele diz, “uma vida que ele não merece”. Ele atua na construção civil desde os 15 anos e relembra: “Um dia, no meu trabalho, eu precisei fazer um grande esforço físico para ajudar meu pai. Acabei com meus punhos abertos e era uma dor que, olha, não tem como explicar”. Foi após ter sido obrigado a trabalhar machucado que ele se deu conta que ele precisava sair daquela vida e, para isso, se esforçar. “O meu tipo de trabalho na construção civil é exaustivo, desligo o meu psicológico e só deixo o corpo ir”. Para sair desse ciclo automático, hoje, após trabalhar cerca de 9h por dia, ele ainda arranja forças para estudar algumas horas por dia.

Daniel deixou a escola porque, segundo ele, tinha outra cabeça. “Eu já tinha repetido um ano e achava a escola em que eu estava muito mais difícil que a anterior. Passei a estudar à noite, comecei a trabalhar e aí fui deixando de ir”, ele ainda tentou voltar à escola regular outras duas vezes, mas sem sucesso.

Enquanto a goleada do Brasil x Alemanha foi única, não podemos dizer o mesmo do desperdício de sonhos no que diz respeito aos nossos alunos, que se repete em nossa história. De acordo com o Censo Escolar, 12,9% e 12,7% dos alunos matriculados nos 1º e 2° anos do Ensino Médio, respectivamente, evadiram da escola entre os anos de 2014 e 2015. Ainda que essas taxas venham diminuindo ao longo do tempo, elas ainda são muito altas. Nesse aspecto, precisamos sair só da torcida e partir para a ação: redobrar o cuidado com a prevenção da repetência (15% no 1° ano do Ensino Médio) e com o acolhimento dos estudantes que têm histórico de abandono e/ou repetiram de ano (31,4% no 1° ano do Ensino Médio têm pelo menos dois anos de atraso escolar, de acordo com o Anuário Brasileiro da Educação Básica).

De virada

Mesmo com os percalços em sua formação, Daniel pretende ganhar essa batalha de virada. “Eu queria ter acreditado mais em mim naquela época, porque eu sei que eu tinha capacidade. Não foi culpa dos professores, nem de ninguém, foi minha, da minha imaturidade”, assim o morador de Santana de Parnaíba (SP) define a situação.

Apesar de atribuir a si toda culpa, Daniel está longe de ser o único cujo chamado da vida lá fora foi mais forte que a sala de aula. De acordo com um levantamento do GESTA (Galeria de estudos e Avaliação de Iniciativas Públicas), coordenado pelo economista Ricardo Paes de Barros, há pelo menos outros 11 motivos que levam nosso time de talentos para o banco de reservas.

Pode parecer bobagem, mas identificar e nomear esses problemas já é um avanço, pois sabemos pouco sobre os estudantes que abandonaram os estudos. Nesse quesito, é como se estivéssemos jogando às cegas. Não à toa, uma das maiores discussões em curso no País diz respeito à reforma do Ensino Médio, que, apesar de ter começado mal (com a imposição por meio de uma Medida Provisória), caminha na direção certa ao apostar na diversidade de interesse das juventudes.

Entre os especialistas que discutem a etapa é unânime a avaliação de que o Brasil precisa mudar o clima do jogo para que os estudantes que estão sob risco de abandono escolar sejam conquistados. Uma virada à favor da educação de jovens, aponta o documento do GESTA, requer que as redes de ensino disponham de políticas de reforço escolar e aceleração de aprendizagem, com métodos de ensino diferenciados. Além disso, ressignificar a educação de jovens deve ser um esforço coletivo, de gestores, educadores e toda sociedade.

“Seja porque o aluno vem de um histórico de repetências, seja porque ele decidiu sair da escola para trabalhar, independentemente do motivo; quando ele volta, retorna fragilizado. Ele é um jovem que perdeu sua turma, muitas vezes sendo colocado em um ambiente com pessoas de faixa etária diferente. Isso pode não fazer diferença na universidade, por exemplo, mas faz muita durante a adolescência. Já se o jovem volta com um quadro de repetência é uma dificuldade ao cubo. Ele é obrigado a passar pelo mesmo ano novamente e já retorna com medo, afinal é algo que ele já tentou dar conta uma vez e não conseguiu”, explica explica a doutora em psicologia da Educação  de Jovens pela USP e psicanalista Maria Cristina Mantovanini.

Diante disso, nessa partida, a equipe técnica é determinante para virar o jogo, entre eles os docentes. “O professor precisa acreditar que ele pode fazer a diferença na educação de jovens. É tanta desvalorização da docência que muitos professores se sentem sem autoridade em sala de aula e duvidam do próprio potencial, acham que qualquer outro profissional pode ajudar um estudante com defasagem, menos ele. Mas, para mudar a educação de jovens, o professor precisa assumir essa responsabilidade”, aponta a especialista que estudou a relação entre professor e alunos considerados difíceis durante o doutorado.

Mais “camisas 10”

Depois da tentativa de retornar aos estudos regulares e não se adaptar, Daniel decidiu estudar sozinho e tentar a certificação. Ele é mais um que mostra que cada jovem é um e requer metodologias específicas para concluir a trajetória escolar. Assim como nossa seleção, ele está focado: “Eu sei que se eu me esforçar, eu consigo. Me arrependo de ter largado os estudos. Imagina onde eu estaria agora se eu tivesse aplicado essa energia lá atrás”.

No que depender dele, o próximo desafio será no Ensino Superior e ele pretende entrar em campo como favorito. “Já me inscrevi no Enem. Quero ser engenheiro civil e eu tenho um diferencial: praticamente nasci dentro de uma obra! Essa experiência quase nenhum estudante tem, por que não usar isso a meu favor?”, isso mesmo, por que não? Inteligente e com visão de jogo, Daniel vem conversando com profissionais da área, além de se inspirar no próprio pai: “Meu pai nem sabe escrever direito, mas é um excelente professor na área dele. Ele criou um canal de Youtube para dar lições sobre construção, como fazer um acabamento, por exemplo. Ele é muito bom”, sorri.

Jogo de cintura, esforço, treino, antenado com as tecnologias. Daniel é o retrato das contradições de uma geração brasileira que convive, ao mesmo tempo, com a desigualdade, mas de olho na inovação. Tem tudo para ser um camisa 10 qualquer que seja seu sonho.