Alexandre de Freitas já tinha chegado à feira de ciências da escola onde trabalha passando mal, mas ignorava os sintomas. Na hora do almoço, como sempre, foi para casa, mas não voltou para escola – precisou ir ao hospital. Ele sofreu um princípio de infarto, resultado da extensa jornada de trabalho e da falta de alimentação adequada – sempre fora de hora, como ele destaca. “Enquanto tinha idade, fui aguentando. Agora está pesando e a sobrecarga vem aparecendo”, diz o professor de 42 anos.
O caso de Alexandre não é diferente de muitos outros colegas de categoria. Toda profissão tem doenças específicas, em se tratando dos professores, algumas enfermidades acabam sendo mais comuns, como ansiedade, insônia, estresses e dores de cabeça, conforme apontou pesquisa da Associação Nova Escola deste ano. O mesmo estudo mostrou ainda que 87% dos docentes acreditam que o adoecimento está ligado ao trabalho – o próprio quadro de Alexandre parece confirmar a impressão. Com 16 anos de carreira docente, Alexandre trabalha nos três turnos do dia letivo desde o primeiro ano de docência e, segundo os médicos, foi esse cotidiano de sobrecarga que resultou na fragilidade de sua saúde.
Professor de matemática no Ensino Médio de regime integral na rede estadual em Itambé (PE), ele também encara o turno noturno em Pedras de Fogo (PB) para conseguir equilibrar as contas em casa. Rotina puxada que, segundo ele, não está ligada apenas às necessidades financeiras, mas também ao senso de dever. “Muitos estudantes dependem de mim e mesmo sabendo que haveria alguém no meu lugar, não me sinto à vontade em deixar meus alunos na mão. Sei que trabalho tanto que deixo a saúde em segundo plano, mas não quero acreditar que a causa do problema é a escola”, explica.
Para os médicos, a rotina de sobrecarga do professor Alexandre resultou na fragilidade de sua saúde
Outra razão para não conseguir desacelerar, pontua o educador, é a grande quantidade de trabalho fora da sala de aula, montante que ultrapassa o mínimo de ⅓ da jornada de trabalho conforme estabelecido na lei do piso do Magistério. Como inúmeros educadores relatam, a sala de estar de casa acaba se tornando uma extensão da escola. “Fico cheio de atividades escolares para corrigir no final de semana e não consigo ter o tempo que preciso com a minha família”, afirma Alexandre.
+++APENAS 30% DOS PROFESSORES CONSEGUEM PASSAR ⅓ DO TEMPO EM ATIVIDADES EXTRA-CLASSE
Para o professor, vencer os obstáculos que resvalam na saúde docente passa por uma série de ações combinadas. O primeiro é melhorar o salário, de maneira que os docentes não tenham de encarar tantas horas de serviço dentro e fora da escola. “São pais e mães de família que precisam da renda”, explica. Outras duas possíveis medidas apontadas por ele são diminuir o número de alunos por turma e disponibilizar psicólogos nas escolas, uma vez que este são profissionais capazes de cuidar da saúde mental e amenizar problemas entre professores e alunos. “A escola hoje está num contexto diferente daquele em que eu estudei ou para o qual me formei para lecionar. Temos novas tecnologias, pressão por atingir metas de aprovações e resultados. Os estudantes conversam pouco com os pais e os problemas explodem bem aqui, na escola, pressionando o docente até o limite”, analisa.
Formado em contabilidade, Alexandre aceitou a proposta para lecionar a matemática diante do desemprego e da falta de professores da disciplina. Mesmo diante dos desafios da carreira diz não ter se arrependido. “Tive a sorte de ter alunos maravilhosos nas minhas primeiras turmas. Sem eles, talvez eu não estivesse na escola até hoje”, diz o educador que gostou tanto de dar aula que se licenciou em matemática para a abraçar a carreira de vez.
Segundo ele, a motivação para acordar todo dia e ensinar permanece até hoje. “Entramos e saímos da profissão como professores, a docência não é um tipo de carreira em que há uma progressão de funções como muitas outras atividades. Nossa realização, portanto, é ver nosso anseio de crescimento se materializando no sucesso de nossos estudantes. Cada ingresso na universidade é uma sensação de dever cumprido. É indescritível a felicidade de ver o sucesso do outro”, diz Alexandre.