“Em Educação, não fazemos nada sozinhos”
Toda carreira tem dificuldades, que podem ir desde um chefe mal preparado para gerir sua equipe até metas difíceis de serem alcançadas pelos funcionários, para citar apenas algumas. Em menor ou maior grau, todos têm de administrar os prós e os contras de suas funções. Mas… e quando esses contratempos impedem que o trabalho seja exercido? Essa é uma das questões com as quais professores de educação como Elionaldo Bringel de Lima, de 32 anos, se deparam diariamente.
Docente de educação física no sertão nordestino, Elionaldo dá aula em duas escolas, uma no interior de Pernambuco e outra no interior da Bahia; localidades em que “os professores são mais necessários”, como ele assim define. Ainda menino ele decidiu que trabalharia com algo que pudesse mudar a realidade da escola pública onde foi aluno. “Eu não tinha professor de educação física formado na área e gostava muito de esportes. Queria mostrar para as pessoas que era possível fazer Educação de qualidade, então segui para essa carreira e tem dado certo: é possível”, alegra-se.
Mas a convicção de que escolheu a carreira certa para si não exclui os desafios diários de um professor de zona rural, a começar pelas longas distâncias enfrentadas em sua rotina profissional. Elionaldo trabalha parte da semana na comunidade agrícola Projeto Fulgêncio, em Santa Maria da Boa Vista (PE), e parte em Juazeiro (BA). Residente de Petrolina (PE), entre sua casa e a escola em Santa Maria são cerca de 170 km, ou 2h30 de viagem, que ele realiza em seu carro particular. Para outros docentes na mesma situação, o jeito é pedir carona. “As condições às vezes são muitos difíceis. Tenho colega que precisa ir para a pista e esperar algum carro aparecer, não temos ônibus que interligam os lugares e muita gente realmente não tem carro”, lamenta o professor.
Professor em duas escolas rurais do Nordeste, Elionaldo acredita que além de cobrar é preciso achar soluções para os desafios escolares
Além da dificuldade com os trajetos, Elionaldo reparte com muitos profissionais da Educação obstáculos encontrados em qualquer sala de aula brasileira – caso da falta de materiais pedagógicos. Diante dessas dificuldades, ele acha que é importante exigir melhorias, mas ressalta que o tempo está correndo. “A minha escola não tem quadra e nenhum recurso pedagógico, mas faço o que está ao meu alcance. Não quero ser mais um que só reclama. Nós devemos reclamar e cobrar, claro, mas precisamos achar soluções também”, pondera o docente.
E por soluções, Elionaldo não quer dizer nada extraordinário, mas parcerias, por exemplo. “Na Educação, especialmente em lugares vulneráveis, a gente não faz nada sozinho. Tudo é com a colaboração de alguém”, conta. É assim que ele explica como conseguiu levantar, junto a um grupo de educadores, um projeto que mobilizou 17 escolas do sertão pernambucano em torno da inclusão de pessoas com deficiência.
“O preconceito aqui ainda é muito grande, muitas pessoas tratam as pessoas com deficiência como ‘doidas’ e as isolam. Fizemos algo inédito na história local: reunimos mais de mil pessoas para competirem em jogos inclusivos. Foi difícil, mas conseguimos e quebramos alguns paradigmas”, lembra o docente que ficou em primeiro lugar no estado do Pernambuco e entre as cinco melhores iniciativas de inclusão do País no prêmio nacional Professores do Brasil 2017, com o projeto “Primeira Copa Adapt de Futsal – direitos, necessidades e realizações”.
Lidar com a diversidade também é um dos desafios destacados por Simoni Dellangelo, professora temporária da rede estadual de São Paulo, que leciona no município de Diadema. “A gente trabalha com cerca de 35 alunos em uma sala de aula de Anos Finais do Ensino Fundamental. Há, entre eles, os alunos com deficiência, que exigem atividades diferenciadas, assim como os estudantes com defasagem na aprendizagem. Alguns não sabem sequer estruturar uma conta básica de matemática”, avalia ela.
Em linhas gerais, os docentes temporários da rede estadual paulista são uma espécie de categoria criada para agregar aqueles que devem estar prontos para substituir ausências em qualquer disciplina, mesmo que não tenham formação para tal. Na opinião de Simoni, as condições de carreira para as pessoas nessa situação profissional são inferiores àquelas dos demais docentes, o que acaba, invariavelmente, afetando o exercício na sala de aula. “Não temos direito ao mesmo tanto de ausências abonadas, não temos convênio médico e não recebemos 13° salário, por exemplo. Sinto que, às vezes, é como se não existíssemos, mesmo quando trabalhamos até mais do que um professor concursado”, afirma.
A professora Simoni vê que como temporária as suas condições de carreira são inferiores às dos demais docentes
Licenciada em Ciências Biológicas e sem planos para seguir a carreira, Simoni foi fisgada para a docência por uma combinação entre um período de desemprego e o convite de uma amiga. “Acabei me apaixonando. Na nossa profissão podemos mostrar a crianças e jovens que há um conhecimento científico nas ações cotidianas. Tem aquela satisfação também de os alunos lembrarem dos nossos ensinamentos muitos anos depois, só porque demos uma aula diferenciada”, explica ela.
Assim como Simoni, para Elionaldo tudo gira em torno do aluno. “Eu não posso dar uma mesma aula na Bahia e em Pernambuco. As comunidades são diferentes e pedem coisas distintas. Além disso, o aluno de hoje é bem diferente do que eu fui. Tudo isso exige uma postura diferente no preparo da aula. O estudante, assim como a sociedade, vem mudando e temos que nos perguntar o que nós temos feito para nos adequarmos para que nossas aulas dialoguem com a diversidade de interesse deles”, opina.
+++PROFESSORES: ELES QUEREM TRANSFORMAR O PAÍS, MAS A GENTE TEM DE DEIXAR
O professor está convicto de que fez uma boa escolha profissional para a sua vida, mas acha que, além de condições básicas para exercer o trabalho – como um sistema de transporte eficiente à disposição dos cidadãos – é preciso avançar bastante na valorização das boas experiências realizadas pelos educadores. “Nós formamos todas as outras profissões e, mesmo assim, quando fazemos um trabalho de destaque que demanda muito de nossas vidas particulares, muitos tratam como se não fosse nada. Falta valorizar o esforço de quem está aqui”, reivindica Elionaldo.
Tudo na carreira docente está interligado. Saiba também o que pensam os professores sobre: