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Novo Ensino Médio: Todos Pela Educação lança análise do Substitutivo do PL 5230/2023

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Na visão do Todos Pela Educação, substitutivo apresentado pelo Dep. Mendonça Filho (União-PE) traz avanços em relação ao texto do MEC. Análise técnica aponta, também, o que ainda pode ser melhorado no projeto de lei, que deve ir a votação nessa terça, dia 12/12.

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1- VISÃO GERAL

Na visão do Todos Pela Educação, o substitutivo ao Projeto de Lei nº 5.230 de 2023, apresentado no dia 09/12/2023 em relatório do Dep. Mendonça Filho (União-PE), traz avanços em relação às proposições do Ministério da Educação (MEC) – contidas no Projeto de Lei 5230/2023 – para a reestruturação da reforma do Ensino Médio. Entendemos, porém, que ainda há espaço para melhorias adicionais na Câmara dos Deputados e/ou na posterior apreciação pelo Senado Federal.

Importante destacar que o Substitutivo não representa retorno à lei da reforma aprovada em 2017 e que, mesmo havendo margem para aperfeiçoamentos nessa reta final, o texto já sinaliza para uma versão aprimorada do Novo Ensino Médio quando comparada com a proposta original.

2- PONTOS POSITIVOS / AVANÇOS EM RELAÇÃO AO PL 5230/2023

À luz das propostas de ajustes no Projeto de Lei 5230/2023 defendidas e detalhadas pelo Todos Pela Educação em nota técnica divulgada no dia 06/11/2023, são seis os principais avanços refletidos no Substitutivo:

2.1- Manutenção do aumento do mínimo de horas para a Formação Geral Básica (FGB) em relação à reforma original

A reforma original de 2017 estabeleceu um patamar máximo de 1.800 horas (“teto”) para a formação geral básica, independente da carga horária total. Seja pela lógica de um teto (e não de um “piso”) mas também pelo patamar excessivamente baixo de horas que resultou no “achatamento” de disciplinas básicas e fundantes, a medida se mostrou um equívoco e ajustes nesse ponto foram defendidos por diversos atores na consulta pública.

O Substitutivo mantém a lógica de inversão de um “máximo” de horas para um “mínimo”, já proposta pelo MEC no Projeto de Lei 5230/2023, e também sinaliza no sentido de aumento deste valor – de 1.800h para 2.100h (de 60 para 70% da carga total, considerando carga de 3.000h/5h diárias). Isso difere do que foi proposto pelo MEC no PL 5230/2023 (2.400h), mas na visão do Todos Pela Educação é um movimento correto no sentido de não fragilizar a busca por maior integração da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) com o Ensino Médio regular, um dos pilares da essência da reforma.

Ainda assim, entendemos que a proposta do Substitutivo em relação ao modelo de compensação de horas (dispositivo necessário para integração de cursos com carga horária mais extensas de EPT, questão ausente no Projeto de Lei 5230/2023), embora atenue, não elimina completamente alguns riscos ao propor – assim como o Projeto de Lei 5230/2023 – uma diferenciação entre os mínimos de Formação Geral Básica de quem opta por uma trilha acadêmica versus quem opta por uma trilha profissional. O detalhamento deste ponto, além de uma proposta alternativa, está no item 3.1 deste documento.

2.2- Definição de um mínimo de horas para a parte de aprofundamento da FGB

Ao introduzir a obrigatoriedade de um mínimo de horas para a parte diversificada do Novo Ensino Médio (900h, equivalente a 30% de uma carga total de 3.000 horas/5h diárias), o Substitutivo corrige uma lacuna do Projeto de Lei 5.230/2023 que colocava em risco a aplicação consistente do aprofundamento curricular, um dos principais pilares da reforma do Ensino Médio.

2.3- Definição clara de que deverão ser criadas “diretrizes nacionais” para orientar os percursos de aprofundamento curricular

Ainda que o Projeto de Lei  5.230/2023 enviado pelo MEC já indicasse a necessidade de parâmetros nacionais para melhor orientar os trabalhos dos Estados em relação à estruturação da parte diversificada do Novo Ensino Médio (um dos grandes problemas da reforma original), o Substitutivo traz uma redação mais assertiva e define que o MEC deverá criar, até o fim de 2024, “diretrizes nacionais de aprofundamento das áreas de conhecimento”.

Este é um passo crucial para retomar e reforçar o conceito de que a parte “flexível” do Novo Ensino Médio deve ter por objetivo promover o aprofundamento da Formação Geral Básica, e não a “dispersão” que foi observada em propostas pedagógicas que surgiram à luz da reforma original em diversos estados¹. É nesse conceito, inclusive, que deve ser ressaltado diante da crítica de que não aplicar 2.400h de Formação Geral Básica significa o rebaixamento da formação básica dos estudantes. Não só não é este o entendimento do Todos Pela Educação como também acreditamos que a lógica do aprofundamento é (i) elemento central de modernização do Ensino Médio brasileiro, (ii) está alinhado com as melhores experiências mundiais, (iii) contribuirá positivamente para a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e (iv) é exatamente o que poderá impulsionar um novo Ensino Médio mais atrativo e aderente aos anseios e individualidades de cada jovem brasileiro(a).

Nesse sentido, cabe, ainda, o destaque positivo à determinação contida no Substitutivo – em moldes similares ao que o Projeto de Lei 5230/2023 também visou enfatizar – de que “os sistemas de ensino deverão garantir que todas as escolas de ensino médio ofertem o aprofundamento integral de todas as áreas de conhecimento (…), organizadas em, no mínimo, 2 (dois) itinerários formativos com ênfases distintas, excetuando-se as que oferecerem a formação técnica e profissional.” Tal obrigatoriedade corrige um dos equívocos da reforma original, que em muitos casos não foi capaz de garantir a possibilidade real de escolha dos jovens em relação ao aprofundamento curricular.

2.4- Retorno à organização das aprendizagens por áreas de conhecimento

Uma das principais novidades (positivas) introduzidas pela Reforma do Ensino Médio foi a organização das aprendizagens da Base Nacional Comum Curricular por áreas de conhecimento, o que foi pensado para promover maior interdisciplinaridade e planejamento articulado por parte dos professores/as. Via o Projeto de Lei 5230/2023, o MEC propunha a obrigatoriedade de treze componentes curriculares dentro das áreas do conhecimento, o que traz riscos de fragmentação do currículo, restrição da autonomia das redes de ensino e, sobretudo, antecipação da revisão da BNCC, prevista para ocorrer após 2025, sem o devido processo de discussão e participação da comunidade educacional. O substitutivo corretamente propõe retornar o texto da lei para a lógica de organização por áreas do conhecimento, mantidas as quatro áreas presentes na reforma original (que são as mesmas já consolidadas no âmbito do Enem).

2.5- Retorno da possibilidade de contratação por notório saber para cursos de EPT

A redação proposta pelo Projeto de Lei 5230/2023 impediria que profissionais contratados a partir do dispositivo do notório saber sejam considerados profissionais do magistério, o que dificultaria sobremaneira a ampliação da EPT. Essa redação foi corretamente suprimida pelo Substitutivo.

2.6- Sinalização de necessidade de melhor regulamentação para uso excepcional do EaD Desde o início da consulta pública o Todos Pela Educação foi crítico em relação à liberação excessiva da reforma original de 2017 a respeito da utilização do Ensino a Distância (EaD) no Ensino Médio, em particular no caso da Formação Geral Básica, por entender haver um enorme risco de precarização da oferta.

O Substitutivo derruba a restrição categórica ao uso do EaD proposta pelo Projeto de Lei 5230/2023, mas não retoma o modelo original de 2017. O texto agora aponta que “a carga horária destinada à formação geral básica dos estudantes do ensino médio será ofertada de forma presencial, admitido, excepcionalmente, ensino mediado por tecnologia, na forma de regulamento elaborado com a participação dos sistemas estaduais e distrital de ensino.”

3- AJUSTES QUE TORNARIAM O SUBSTITUTIVO MELHOR

À luz das propostas de ajustes no Projeto de Lei 5230/2023 defendidas e detalhadas pelo Todos Pela Educação em nota técnica divulgada no dia 06/11, são três os pontos de ajustes no Substitutivo que ainda se fazem necessários:

3.1- Aprimorar o modelo proposto para a compensação de horas no caso de cursos de EPT com 1.000 ou 1.200h

Frente ao aumento de horas da FGB de 1.800 para 2.100, e de modo a viabilizar a integração de cursos de EPT com cargas horárias mais extensas (1000h ou 1.200h) junto ao Ensino Médio com carga total de 3.000 horas (5h/dia), o Substitutivo estabelece o seguinte dispositivo: “(…) admite-se que até 300 horas da carga horária (…) sejam destinadas ao aprofundamento de estudos de conteúdos da Base Nacional Comum Curricular diretamente relacionados à formação técnica profissional oferecida”. Esta proposta segue a mesma lógica que o Projeto de Lei 5230/2023.

já trazia (ainda que em patamares maiores de carga horária), de diferenciação entre carga horária da FGB para quem opta pelas trilhas acadêmicas versus quem opta pela trilha profissional. Essa definição traz riscos de operacionalização nas escolas e, sobretudo, de reforçar um estigma de inferioridade da EPT que, aos poucos, vem sendo superado no Brasil.

Conforme ilustrado no esquema abaixo, a proposta do Todos Pela Educação defende uma FGB de 2.100h igual para todos os estudantes e uma compensação de até 300h da carga horária dos cursos mais extensos de EPT. Esta proposição toma como base de sustentação o precedente do artigo 27 da Resolução 6/2012, do Conselho Nacional de Educação², que permitia a compensação de até 400h para os cursos de EPT integrados ao Ensino Médio (ver detalhes sobre este precedente no anexo 1 deste documento).

3.2- Efetivar meta vinculante para expansão do tempo integral de no mínimo 7h

O texto original da reforma do Ensino Médio indicava para a ampliação progressiva da carga horária para 4.200h no total, equivalente a 7 horas por dia, mas sem qualquer meta/prazo vinculante, tal como foi feito para a expansão de 2.400h para 3.000h (de 4 para 5h por dia). O PL 5230/2023 não avançou em relação a essa questão e o Substitutivo mantém a omissão.

Nessa seara é importante que se retome as principais razões para se efetivar dispositivos obrigatórios de expansão da carga horária diária até no mínimo 7h:

  • Escola de tempo integral (mínimo 7h) é a regra nos países com sistemas educacionais mais desenvolvidos e que avançaram com modelos de ensino médio que combinam uma formação geral básica com aprofundamento curricular – é no mínimo incoerente, portanto, que se utilize esses países como referência para o Brasil avançar no mesmo caminho sem que se assegure um elemento estrutural do sucesso desse modelo mundo afora;
  • O aumento da carga horária total é elemento central para viabilizar adequadamente a integração da EPT com o Ensino Médio. Aqui não é preciso olhar para fora do Brasil – basta ver que os Estados que vem avançando nesse sentido com maior êxito no nosso país – como Ceará, Paraíba e Pernambuco – têm no aumento da jornada escolar condição viabilizadora dessa proposta;
  • A elevação da carga horária total é crucial para que, nos curto e médio prazos, seja possível atenuar/eliminar as graves defasagens que estudantes do 9º ano trazem consigo ao entrarem no 1º ano do Ensino Médio, sobretudo considerando os impactos recentes da pandemia;

A boa notícia é que a emenda nº 765 – rejeitada pelo relator do Substitutivo – avança nesse sentido e ainda pode ser destacada e acrescida ao texto final a ser aprovado pela Câmara dos Deputados. Esta emenda, de autoria do Dep. Reginaldo Lopes (PT-MG), estabelece que o Brasil alcance 70% das matrículas até 2035 (hoje o patamar é de 20%), com metas intermediárias ao longo dos próximos anos (detalhes na imagem abaixo). Ainda que ambiciosos, são prazos perfeitamente exequíveis quando se observa (i) o histórico recente de crescimento de matrículas em tempo integral nos Estados que mais priorizaram o tema e (ii) o fato de que o atual Ministério da Educação lançou recentemente uma robusta política de indução para expansão de matrículas em tempo integral em toda a Educação Básica.

Link para texto da emenda na íntegra.

3.3- Estabelecer com maior clareza como o Enem deve se articular ao Novo Ensino Médio Uma das principais medidas para garantir uma consistente implementação de um modelo de ensino médio que combine formação geral básica com aprofundamento curricular é articular o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ao Novo Ensino Médio. Esta foi uma das fragilidades do processo de implantação da reforma original e um ponto em que o PL 5230/2023 também pouco avançou. Possivelmente por falta de consensos no debate em relação ao assunto, o Substitutivo, infelizmente, mantém essa falta de clareza e direcionamentos.

A emenda nº 30 – rejeitada pelo relator do Substitutivo – de autoria da Dep. Professora Goreth (PDT-AP) propõe um caminho mais diretivo – sem detalhamentos excessivos que não cabem ao texto de Lei –, apontando para a necessidade de um Enem que contemple a avaliação tanto da formação geral básica quanto da parte de aprofundamento curricular (o que seria possível de ser feito considerando o avanço de “diretrizes nacionais para o aprofundamento”, aspecto este incluído no Substitutivo, conforme detalhado no item 2.3 deste documento). No Todos Pela Educação convergimos com a proposta (ver detalhes do texto na imagem abaixo) e, tal como indicado no item 3.2, entendemos que essa emenda deve ser destacada e acrescida ao texto final a ser aprovado pela Câmara dos Deputados. 

Link para texto da emenda na íntegra.

Anexo 1 – Precedente do Conselho Nacional de Educação para compensação de horas de cursos EPT integrados ao Ensino Médio

O precedente que permitia a compensação de até 400h está no artigo 27 da Resolução 6/2012, do CNE, que Definiu Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio:

Considerando que a carga total do Ensino Médio (antes da reforma de 2017) era de 2.400 (4h diárias), o dispositivo do artigo 27 permitia:

  • para cursos EPT de 800h, compensação de 200h: (2.400 FGB + 800h = 3.200h – 200h de compensação, chegava no “mínimo de 3.000h”);
  • para cursos EPT de 1000h, compensação de 300h (2.400 FGB + 1000h = 3.400h – 300h de compensação, chegava no “mínimo de 3.100h”);
  • para cursos EPT de 1200h, compensação de 400h (2.400 FGB + 1200h = 3.600h – 400h de compensação, chegava no “mínimo de 3.200h”).

Este dispositivo foi revogado com as novas Diretrizes Curriculares do Novo Ensino Médio de 2017, uma vez que com 1800h de FGB (modelo efetivado na reforma original de 2017), esse dispositivo passou a ser desnecessário.

Trazendo a mesma lógica para a discussão atual, com uma carga mínima de FGB de 2.100h:

  • Cursos EPT 800h não precisariam de compensação;
  • Cursos EPT 1000h precisariam de compensação de 100h para caber dentro de carga horária total de 3.000h;
  • Cursos EPT 1200h precisariam de compensação de 300h para caber dentro de carga horária total de 3.000h.

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¹No Projeto de Lei  5230/2023, o MEC corretamente buscou enfatizar esse conceito ao propor rebatizar o termo “itinerário formativo” por “percursos de aprofundamento e integração de estudos”. Essa nova proposição, contudo, é desconsiderada pelo Substitutivo, o que não nos parece uma boa escolha e deveria ser revista.

²Resolução que definiu “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio”, acesse a Resolução.