“Não posso esperar a escola ideal, meus alunos precisam de mim hoje”, defende o professor de artes Jayse Antônio
Jayse Antônio da Silva é professor de alunos do Ensino Médio da rede pública do estado do Pernambuco e, ao contrário do que o senso comum poderia esperar, o educador está mais interessado em destacar o trabalho que tem feito do que em reclamar dos problemas da escola onde leciona.
“Se temos feito bons trabalhos, temos mais é que falar disso. Não quero ser visto como um ‘sofressor’, faço uma Educação arretada”, brincou o professor, sob os aplausos do auditório lotado do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro (RJ), sede do Educação 360, encontro internacional sobre o tema realizado pelos jornais O Globo e Extra, com o apoio do Todos Pela Educação. O professor já foi laureado com os prêmios Educador Nota 10 e Professores do Brasil.
Dar visibilidade às boas experiências no sistema público de ensino não significa ignorar os diversos obstáculos existentes, mas mostrar que é possível fazer mais agora mesmo, desde que haja, é claro, apoio ao professor. “Muitas coisas poderiam ser melhores na minha escola – por exemplo, ter uma quadra de esportes ou uma pia na sala de aula para facilitar as atividades artísticas. Mas eu não posso ficar esperando essa escola ideal, meus alunos precisam de mim hoje e temos de tentar superar a falta de infraestrutura com criatividade”, pontuou Jayse Antônio. “Se um erro médico mata mil pessoas, um erro meu mata 40 alunos”.
Para os especialistas, a profissão mais importante do País requer um duplo movimento: valorizar o que tem sido feito de bom, mas também partir para o ataque das fragilidades da carreira, fartamente documentadas e estudadas por pesquisadores nacionais e internacionais.
É preciso repensar a profissão em vários aspectos, como atratividade, formações inicial e continuada, estágios e também a carreira a longo prazo, indicou Mila Gonçalves, da Fundação Telefônica, durante o Educação 360. Ela chamou a atenção para a divisão da responsabilidade entre governo e sociedade. “Precisamos saber o que é um bom professor e qual sua importância”, defendeu a especialista.
Miguel Thompson, do Instituto Singularidades, organização especialista na formação de professores, também participou da discussão e enfatizou uma visão positiva sobre a carreira. “Ser professor é a carreira do futuro – uma profissão que exige lidar com informações complexas e dialogar com um mundo cada vez mais incerto”.
O professor Jayse partilha dessa mesma confiança no futuro da profissão, sem esquecer daqueles que vieram antes. “Se eu estou aqui é porque vários professores fizeram algo bom lá atrás. Foi um professor que reparou no menino tímido que sentava no fundo da sala e gostava de desenhar e disse a ele: você devia ser professor de Educação artística. E aqui estou”, relembrou.
Desafios
Uma formação que prepare os professores para os desafios pedagógicos foi um dos pontos consensuais entre os especialistas, uma vez que educadores mal formados têm maiores chances de executar um trabalho ruim, seja em um contexto de dificuldades ou não. “As faculdades não nos formam para saber como lidar com os alunos que trazem desafios de casa”, apontou Jayse Antônio.
Já Thompson reforçou a necessidade de haver um trabalho de qualificação da grade das licenciaturas de grandes conglomerados de Ensino Superior que formam a maior parte dos docentes brasileiros.
Inseparável de uma discussão acerca de uma formação de mais qualidade, implantar um currículo para os professores foi uma das medidas essenciais citadas por Mila Gonçalves. “Essa política é importante para que o professor possa mapear seus desafios e possibilidades e a que sociedade saiba o que se espera dele”, explicou ela.
Heleno Araújo, da Confederação nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), por sua vez, alertou para a série de desafios que aguardam os docentes todos os dias nas escolas e criticou as avaliações em larga escala, como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que não são suficientes para retratar a realidade da Educação. “Esse indicador não dá conta da qualidade do processo educacional. Precisamos ampliar as informações sobre quais são as condições socioeconômicas dos alunos e professores. Não podemos colocar todos no mesmo patamar. Essa análise parcial dos dados está nos levando a entrega das escola pública a organizações sociais e à militarização das escolas. É essa formação de criança e jovens que queremos?”, questionou ele.
Jayse Antônio, por fim, reiterou a importância de se mudar esse cenário, a fim de que os jovens enxerguem a importância social que a carreira do professor possui. “Fico preocupado com um menor número de jovens querendo seguir a profissão. Os dados estão contra nós. Em alguns anos entraremos em colapso, sem jovens que queiram seguir a carreira. Ao abrirmos os jornais, vemos professores sendo massacrados. Apesar de tudo isso, é importante que se diga que a Educação mudou minha vida. Foi ela que deu a mim, filho de analfabetos, uma oportunidade de mudar”, relatou o professor.