Metas curriculares e avaliação: o que Portugal fez para avançar na Educação
Os portugueses ainda se recuperam de uma crise que, em 2011, abalou vários países europeus, como a Grécia e a Espanha. Tal situação é bastante conhecida dos brasileiros – guardada as devidas proporções e especificidades -, o Brasil também passa por um período de crises que, segundo economistas, requer a aplicação de medidas para reequilibrar as contas públicas. Nesse cenário de austeridade, como preservar a Educação e fazê-la avançar com qualidade e equidade?
Para responder como Portugal fez isso, Nuno Crato, ex-ministro da Educação e da Ciência do país entre 2011 e 2015, esteve presente ao Fórum Exame 2018. Em 2015, mesmo durante a crise, os portugueses superaram pela primeira vez a média de desempenho dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em ciências, português e matemática, no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Um feito e tanto, especialmente quando se olha o que os números não mostram: a dificuldade econômica do país era tamanha que até os professores tiveram seus salários reduzidos temporariamente.
“Quando nosso governo assumiu, ainda estávamos enfrentando o rescaldo financeiro de austeridade iniciado no governo anterior. Estava bem claro para a população que o momento exigia alguns sacrifícios e os professores portugueses participaram desse esforço sem esquecer de seus alunos. O que dissemos foi: ‘estamos com dificuldade, mas vamos nos centrar nos alunos’. No geral, houve aceitação e tivemos sucesso”, relembrou Nuno, em entrevista exclusiva para o Todos Pela Educação.
EDUCAÇÃO NO BRASIL E EM PORTUGAL
Todos: Mesmo em um período de crise econômica, a Educação de Portugal é a única da Europa que melhora a cada ano, segundo resultados do Pisa. A que se deve isso?
Nuno Crato: São várias medidas realizadas ao longo do tempo, mas eu diria que a principal delas é que nos concentramos em duas coisas essenciais: dar uma melhor Educação e avaliar o que estava sendo feito. Ao longo dos anos, fomos melhorando o currículo escolar para torná-lo mais objetivo, mas também mais ambicioso (mais exigente e bem estruturado). Isso foi um processo que durou cerca de 15 anos! Entre 2012 e 2015, conseguimos acelerar isso com as chamadas Metas Curriculares – uma descrição muito pormenorizada daquilo que os alunos deveriam alcançar em cada ano de escolaridade. Nós temos que saber para onde vamos e para onde queremos ir e, para isso, o currículo é peça fundamental.
A avaliação é o segundo ponto importante, pois ela ajuda a aprimorar a Educação, mostrando onde estão as dificuldades e dando subsídios para ultrapassá-las. Estávamos no início do século XXI e não tínhamos avaliação para a Educação Básica até os 15 anos de idade, somente no Ensino Médio aplicávamos um exame, não ter avaliação durante tanto tempo era muito negativo. Acrescentamos mais exames ao longo da Educação Básica. Não se sabe em que ponto a Educação está se não houver avaliação.
Claro que houve dificuldades devido aos cortes orçamentários. Apesar disso, eu diria que os professores e o país inteiro aceitaram. Durante os três primeiros anos do nosso mandato estava bem claro que havia uma crise a ser ultrapassada, o que exigiria alguns sacrifícios, e os professores portugueses participaram desse esforço sem esquecer seus alunos. Muitas vezes discutimos Educação em termos de dinheiro, que é importante, ou em termos de alegria, que também é importante; mas o que não podemos mesmo esquecer é o essencial, e o essencial é ser ambicioso com o sistema de ensino. Acho que nossos professores responderam bem a isso. O que dissemos foi: estamos com dificuldades, mas vamos nos centrar nos alunos, vamos ver o que conseguimos fazer e isso teve sucesso. Mas é claro que no Brasil é diferente. Em Portugal, eu consegui sentar com todos os diretores escolares e falar sobre o assunto.
Na sua atuação, Portugal passou a dar ênfase na grade curricular a português e matemática. No Brasil, acabaram de divulgar o Saeb 2017 e o quadro mostra que a alfabetização precária tem efeitos ao longo da trajetória escolar. Em uma situação como essa, em que há muito alunos continuando os estudos sem conhecimentos básicos, quais políticas públicas são importantes para recuperar o tempo perdido?
Isso é muito importante. Em Portugal, o país e o sistema educativo tiveram a habilidade de conseguir, ao mesmo tempo, melhorar a Educação e recuperar os alunos que estavam para trás. No relatório do Pisa 2015, por exemplo, Portugal tem destaque exatamente por isso: os estudantes do topo melhoraram e o número dos que não tinham desempenho considerado suficiente diminuiu. Em outras palavras, todos subiram! Isso mostra que é possível ser exigente, pedir mais aos alunos e aos professores e, ao mesmo tempo, não desprezar os que têm mais dificuldades. É preciso pedir mais a todos. Se nós não pedirmos mais aos alunos que por algum motivo (pessoal, familiar, econômico) não progridem, eles ficam para trás. Mas como não deixar ninguém para trás?
No meu mandato, uma das soluções para isso foi dar mais liberdade às escolas para se organizarem e utilizarem o que chamamos de horas de crédito (horário docente remunerado em que as escolas têm a autonomia de aplicar no apoio à gestão da unidade de ensino ou para atividades pedagógicas) para recuperar os alunos com dificuldade. A segunda iniciativa, também relacionada à autonomia das escolas, foi utilizar professores de diferentes etapas de ensino para dar reforço. Por exemplo, um professor do primário (Fundamental I no Brasil) que percebe que seus alunos estão com dificuldade para aprender determinados conceitos matemáticos pode pedir a um professor do Ensino Médio para acompanhar essa turma e os alunos com maior dificuldade. Isso podia ser solicitado ao diretor escolar.
Como é vista a autonomia dos professores no sistema escolar português?
Nós somos muito a favor da liberdade dos professores. Ter metas específicas para cada disciplina é, na verdade, uma maneira de dar liberdade aos docentes. Em Portugal, durante algum tempo, eram dadas muitas indicações pedagógicas aos professores, isto é, indicações sobre como se deve ensinar, estabelecer metodologias, mas sem se preocupar em dar objetivos específicos. Isso tirava a liberdade do professor de utilizar aquela que considerava a metodologia mais adequada. Deveria ser exatamente o contrário: é necessário dar liberdade aos docentes nos processos de avaliação dos alunos, mas definir metas ambiciosas.
O Brasil discute hoje a flexibilização do Ensino Médio, prevendo um itinerário profissionalizante. Como a escola pode ofertar uma formação que impacte no desenvolvimento econômico do País, sem ser uma Educação instrumentalista?
Em Portugal temos flexibilização curricular no secundário. Nosso Ensino Básico de 9 anos (o Ensino Fundamental no Brasil) é igual para todos, mas ao ingressar no secundário o aluno pode escolher entre uma via profissionalizante (com muitos cursos específicos) e uma via de preparação para a universidade – a modalidade científica-humanística.
O Ensino Profissionalizante é muito importante para nós, pois o nosso país tem um déficit de quadros técnicos e, ao mesmo tempo, há muitos jovens que não querem ou não podem entrar na universidade, mas que têm interesse em sair da escola com uma profissão e isso é legítimo. Quanto à ligação com o mercado de trabalho, não vejo problema algum dela existir, a questão é quando essa ligação é entendida no sentido estreito, onde os alunos não tem uma base geral. Nossa preocupação com o Ensino Profissionalizante baseava-se na ideia de que esse ensino deveria oferecer uma profissão, sem desprezar o mínimo de matemática, ciência sociais, história, português. Isso é importante para que esses alunos não apenas tenham uma formação geral, mas para que, caso decidam inverter a escolha e decidir seguir os estudos na Educação Superior, isso seja possível, ainda que exija algum esforço adicional.
O que o Brasil pode aprender com a experiência de Portugal?
É muito difícil dizer o que outro país pode aprender conosco, porque cada um tem as suas especificidades, problemas e desafios. Mas, se eu puder centrar no que é possivelmente importante para todos, retomo aquilo que já disse: focar no essencial, trabalhar sempre pelos melhores resultados, ter objetivos ambiciosos e ter uma avaliação que permita fazer o monitoramento do que se está alcançando. Acho que focar especialmente nas aprendizagens mais básicas, como português e matemática, é fundamental, porque se o aluno chega ao fim do primeiro ciclo de estudos (4° ano em Portugal, 5° ano no Brasil) com dificuldades muito grandes nessas duas disciplinas, esse aluno não consegue progredir em nenhum outro conteúdo.
+As qualidades educacionais de Portugal para refletir sobre os desafios do Brasil