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Entenda os principais pontos do projeto do Sistema Nacional de Educação (SNE)

Texto aprovado em março pelo Senado está em discussão na Câmara dos Deputados
Em sala, professora em pé na frente de alunos aponta para lousa. Foto: Rovena Rosa. Agência Brasil.

No início de março deste ano, foi aprovado no Senado Federal o substitutivo ao projeto de lei complementar que institui o Sistema Nacional de Educação, previsto na Constituição Federal. Na tramitação, foram abordados pontos legais, normativos e técnicos que são fruto de um debate sobre o Sistema que ocorre há quase cem anos, com diferentes atores políticos do espectro partidário, representantes do Ministério da Educação e da sociedade civil. Hoje, sabemos que nunca foi tão necessária a instituição do Sistema Nacional de Educação, afinal, além das mudanças estruturais, o  SNE é fundamental para que o Brasil se recupere dos danos causados pela pandemia na Educação – ampliados pela atuação frágil ou mesmo omissa do Ministério da Educação nos últimos três anos.

Histórico do PLP 235/2019 no Congresso Nacional

De autoria do senador Flávio Arns (Podemos/PR) e sob relatoria do senador Dário Berger (PSB/SC), o PLP foi apresentado ao Senado em dezembro de 2019 e teve seu substitutivo aprovado na Comissão de Educação do Senado em outubro de 2021. Em março de 2022, o substitutivo do PLP 235/2019 foi aprovado em Plenário do Senado e seguiu para a Câmara dos Deputados, sendo apensados a ele os PLP’s 25/2019, da deputada. Dorinha Seabra (DEM/TO); 47/2019, do deputado Pedro Cunha Lima (PSDB/PB); 216/2019, da deputadaep. Rosa Neide (PT/MT) e o PLP 267/2020, da deputada Rose Modesto (PSDB/MS), que já estavam em tramitação na Câmara dos Deputados e  com relatório do substitutivo do deputado Idilvan Alencar (PDT/CE) aprovado na Comissão de Educação. Agora, o PLP 235/2019 e os demais projetos apensados tramitam em regime de urgência na Câmara dos Deputados e aguardam designação de relator no Plenário da Casa.

Abaixo apresentamos os principais pontos de mudança para a área a partir da aprovação do Sistema Nacional de Educação: 

1 – Institui o Sistema, seus princípios, diretrizes e objetivos

A fim de garantir o direito constitucional presente nos artigos 23, 211 e 214 da Constituição Federal, instituir o Sistema Nacional de Educação permite que sejam definidas normas que tornem permanente a cooperação e a colaboração para a Educação entre a União, Estados e Municípios. O funcionamento do Sistema está atrelado a um conjunto de princípios, diretrizes e objetivos fundamentados no acesso à Educação Básica de qualidade, assegurando sua oferta a qualquer aluno independente de sua cor/raça, gênero ou orientação sexual em qualquer território do país. Para tanto, o texto propõe um conjunto de princípios, diretrizes e objetivos. Entre eles, está posto que o Sistema deve atuar em função de:

  1. i) erradicar o analfabetismo;
  2. ii) fortalecer os mecanismos redistributivos;

iii) garantir a adequada infraestrutura, tecnológica e pessoal para todas as escolas públicas;

  1. iv) promover a valorização permanente dos profissionais de educação;
  2. v) criar um esforço coordenado entre a União, Estados e Municípios para racionalização dos recursos da educação; e 
  3. vi) instituir instâncias permanentes de pactuação federativa para estruturar a cooperação entre os entes. 

2 – Delimita de forma mais precisa as responsabilidades para União, Estados e Municípios dentro do Sistema Nacional de Educação

Respeitadas as responsabilidades e autonomia asseguradas na Constituição Federal para a União, Estados e Municípios acerca da gestão da Educação Básica e da Educação Superior, o texto proposto para instituir o Sistema Nacional de Educação apresenta um conjunto de responsabilidades que devem ser respeitadas pelos entes para o funcionamento permanente do SNE. 

Fica sob a responsabilidade da União, principalmente, coordenar o SNE, criar a instância de pactuação nacional – Comissão Intergestores Tripartite da Educação (CITE), fomentar a pactuação entre estados e municípios e prestar assistência técnica e financeira aos Estados e Municípios.

Quanto aos Estados, a sua responsabilidade no SNE consiste principalmente em coordenar, avaliar e supervisionar seus sistemas de ensino; criar em seu estado Comissão Intergestores Bipartite da Educação (CIBE) e pactuar com seus municípios a oferta da Educação escolar pública obrigatória. 

Por fim, compete aos Municípios coordenar e supervisionar seus próprios sistemas de ensino;  organizar e dimensionar a demanda local como forma de subsidiar o planejamento regional da oferta de educação escolar pública e cumprir as decisões pactuadas na CITE e CIBEs. 

3 – Cria as instâncias de pactuação para tomada de decisão em âmbito nacional (CITE) e subnacional (CIBEs)

Instituir o Sistema Nacional de Educação traz avanços na gestão da educação por criar espaços permanentes em que estarão na mesma mesa paritariamente gestores educacionais da União, Estados e Municípios para pactuarem as diretrizes e parâmetros educacionais na implementação das políticas educacionais. Tais espaços são denominados dentro do texto proposto de CITE e CIBEs. 

Esses espaços são permanentes e seu funcionamento está atrelado a um conjunto de temáticas que tanto a CITE e CIBEs devem trazer para discussão entre os gestores educacionais. Essas instâncias são importantes principalmente para os Estados e Municípios, haja visto que a União precisará tê-los próximos para debater e tomar decisões acerca das políticas educacionais que serão implementadas por eles. 

O funcionamento da CITE será definido por regimento interno, que irá detalhar a sua operacionalização e governança no dia-a-dia. O que o PLP já traz é que as decisões da comissão deverão ocorrer de maneira unânime entre os gestores da União, Estados e Municípios sempre que houver impacto para os entes envolvidos. Serão analisadas diversas temáticas de diretrizes nacionais para as políticas educacionais, tais como:

– assistência técnica e financeira da União aos Estados e Municípios e suas respectivas contrapartidas;

– parâmetros nacionais de qualidade e de acesso a todas as etapas, modalidades da educação básica;

– elaboração das diretrizes nacionais das carreiras docentes da educação básica pública;

– elaboração das diretrizes nacionais para os processos nacionais de avaliação da educação básica;

– diretrizes para busca ativa e outras estratégias voltadas a jovens e crianças fora da escola;

– elaboração de estratégias nacionais para a seleção e formação de gestores escolares;

Já as CIBEs, que também deverão constituir seu próprio regimento interno, irão decidir no âmbito dos estados junto com os seus respectivos municípios temáticas como:

– planejamento regional da política de educação no Estado e seus respectivos municípios;

– fortalecimento da capacidade institucional dos Municípios;

– assistência técnica e financeira dos Estados  aos Municípios e suas respectivas contrapartidas;

– repartição da oferta do ensino fundamental entre o Estado e seus Municípios;

– elaboração de diretrizes para transição entre etapas e modalidades entre as redes municipais para rede estadual;

-articulação dos calendários escolares da rede estadual e das redes municipais;

– procedimentos para cessão, doação e permuta de infraestrutura escolar, de móveis e servidores públicos;

– proposta de cálculo do custo aluno qualidade no âmbito estadual, a partir da metodologia pactuada na CITE. 

Esses são apenas alguns exemplos das responsabilidades dentro das CIBE e da CITE, mas resta dizer que parte relevante da falta de integração, pactuação e eficiência na definição e gestão das políticas educacionais deverá ser atenuada com a implementação das comissões intergestores. Esse é um ponto central do PLP do Sistema Nacional de Educação.

4 – Cria a Câmara de Apoio Normativo (CAN) e estabelece mudanças na composição do CNE e dos Conselhos Estaduais de Educação

A fim de estabelecer coesão normativa em âmbito nacional, é criada a Câmara de Apoio Normativo (CAN) como instância consultiva com representantes dos Conselhos de Educação de âmbito nacional, estadual e municipal. A CAN tem como função fortalecer os conselhos estaduais e municipais, uniformizar as normas educacionais no âmbito subnacional e discutir e contribuir com o processo de elaboração de diretrizes nacionais pelo Conselho Nacional de Educação.

Além disso, o texto proposto modifica a composição da Câmara de Educação Básica e da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação. O objetivo da alteração é que fossem inseridos dispositivos que garantissem a participação de diferentes representantes das organizações da sociedade civil. 

Dessa forma, a escolha e nomeação dos conselheiros pelo Presidente da República de ambas as Câmaras terá pelo menos metade dos indicados na lista apresentada pelas entidades da sociedade civil. O mandato dos conselheiros deve obedecer o período de quatro anos e, na sua nomeação, deve ser levado em conta critérios de representação regional e das diversas modalidades de ensino. 

Além disso, a escolha dos conselheiros da Câmara de Educação Básica deve ser a partir da lista tríplice, considerando as indicações apresentadas por entidades nacionais de docentes, estudantes, dirigentes de instituições de ensino e secretários de Estados e Municípios. Também devem ser garantidos um representante do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação (Foncede) e um representante da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme).

5 – Disciplina a composição, processos e atuação dos Fóruns e Conferências de Educação

Atualmente os Fóruns e Conferências de Educação carecem de maior institucionalização para exercer seus papéis de espaços permanentes de discussão das políticas educacionais. Dessa forma, no texto proposto é também instituído permanentemente o Fórum Nacional de Educação e a periodicidade com que devem ocorrer as Conferências da Educação, alinhado ao texto do Plano Nacional de Educação. São também apresentados dispositivos que definem a atuação desses espaços de consulta à sociedade. 

A composição desses fóruns é a mais diversa possível, com a participação das Secretarias Estaduais e Municipais, os Conselhos de Educação, entidades representativas de estabelecimentos públicos e privados da educação, de entidades representativas de trabalhadores e estudantes da educação básica e superior, movimentos sociais e entidades de estudos e pesquisa na Educação. 

Além disso, também é instituído e regulamentado o Fórum de Valorização dos Profissionais da Educação, a fim de que seja debatido junto à sociedade e, principalmente, os representantes das categorias, diretrizes e políticas que promovam a valorização e a melhoria das carreiras dos professores e demais profissionais da educação. 

6 – Estabelece instrumentos para a pactuação interfederativa dentro do SNE

Também foram estabelecidos e formalizados instrumentos a serem utilizados no Sistema Nacional de Educação. Estes nada mais são do que ferramentas para facilitar e organizar a pactuação dos entes das diferentes esferas de governo. 

Parte deles refere-se à formalização de decisões, como as decisões tomadas no âmbito da CITE e das CIBEs, que devem estar descritas em normas operacionais básicas e atas, e outra parte está mais ligada à gestão colaborativa dos sistemas educacionais. Para este segundo objetivo, os planos decenais de Educação ocupam um papel central, assim como as ações de planejamento e avaliação da Educação, as transferências legais e constitucionais da Educação, consórcios, convênios e acordos de cooperação técnicos, além dos próprios territórios etnoeducacionais indígenas, entre outros. 

7 – Traz para dentro do SNE a Câmara Intergovernamental de Financiamento da Educação Básica Pública de Qualidade 

Com a aprovação da Lei 14113/2020, que regulamenta o Fundeb de forma permanente, foram estabelecidas atribuições à Câmara Intergovernamental de Financiamento da Educação Básica Pública de Qualidade (Cifeb). No texto proposto que institui o SNE, a Cifeb torna-se uma instância dentro da CITE a fim de estabelecer no âmbito do SNE o acompanhamento e monitoramento das diretrizes de financiamento do Fundeb, de forma articulada às outras decisões relacionadas à cooperação interfederativa. 

Entre as atividades que fazem parte da Cifeb está o estabelecimento anual dos fatores de ponderação que compõem a distribuição de recursos do Fundeb, tais como: (i) o custo médio das diferentes etapas e modalidades da educação básica; (ii) indicadores do custo socioeconômico dos estudantes; (iii) disponibilidade de recursos dos entes; e (iv) suas respectivas capacidades de arrecadação tributária. 

8 – Orienta a busca de equidade no financiamento da Educação Básica, articulada aos parâmetros de qualidade e a definição do CAQ no âmbito da CITE e CIBEs

Conforme presente no § 7º do art. 211 da CF, os parâmetros de qualidade para Educação Básica devem ter como referência o Custo Aluno Qualidade, pactuados em regime de colaboração. Respeitando tal diretriz constitucional, a pactuação da metodologia nacional do Custo Aluno Qualidade deve ser estabelecida no âmbito da CITE, com proposta tecnicamente fundamentada. Já por meio das CIBEs, deve ser pactuado o CAQ, considerando a proposta técnica elaborada pelo Inep para cada Estado. Tal prerrogativa permite que as especificidades locais sejam consideradas na pactuação do CAQ a partir de uma diretriz pactuada nacionalmente. 

9 – Direciona o processo de avaliação dos Sistemas de Ensino, articulando-os ao SINAEB, SINAEPT e SINAES

A avaliação dos sistemas de ensino se dará por meio de três sistemas que são institucionalizados no âmbito do SNE: Sistema Nacional de Educação Básica, Sistema Nacional da Educação Profissional e Técnica e Sistema Nacional de Ensino Superior. Esses três sistemas serão coordenados pela União e devem desenvolver, respeitando seu escopo, processos nacionais de avaliação da aprendizagem, das condições de oferta, condições socioeconômicas dos estudantes e seu fluxo escolar, além de desenvolver indicadores nacionais do perfil docente. Além disso, devem os resultados das avaliações devem ser divulgados, sendo respeitadas as condições adequadas para o processo de avaliação e promovendo a avaliação participativa da comunidade educacional. 

10 – O olhar para os territórios etnoeducacionais indígenas e as diversidades

O eixo central para a instituição do SNE é a redução das desigualdades educacionais, que atinge principalmente pessoas negras, povos indígenas, quilombolas e moradores em regiões mais pobres e periféricas do país. Para isso, foi inserido no texto, como um dos instrumentos do SNE, o fortalecimento dos territórios etnoeducacionais indígenas, onde a União deverá prestar apoio técnico e financeiro às ações de ampliação da oferta da Educação escolar aos povos indígenas, bem como fomentar melhorias de ofertas focalizadas respeitando as especificidades locais e socioculturais. Além disso, os sistemas de ensino devem garantir um olhar específico para o regime de colaboração nesses territórios. 

E agora?

A aprovação do Sistema Nacional de Educação está quase lá. Com a aprovação do PLP 235/2019 no Senado Federal, o rito legislativo para instituir o Sistema está em seus momentos finais e agora a tramitação depende da Câmara dos Deputados. 

Não à toa, com a atuação frágil ou inexistente do Ministério da Educação nos últimos três anos, os nossos parlamentares vêm exercendo um papel protagonista na fiscalização das ações do executivo e na formulação de políticas educacionais estruturantes ainda sejam aprovadas. 

Não há dúvidas de que o cenário teria sido melhor para nossos governadores e prefeitos se na última legislatura tivéssemos aprovado o SNE, especialmente durante a pandemia. É urgente instituir e implementar o Sistema Nacional de Educação para que possamos reconduzir nossa Educação Pública a uma trajetória de melhoria de qualidade aos quatro cantos do país. Mais que isso, é um direito constitucional de nossos estudantes ter um sistema que os proteja de decisões equivocadas de não investir ou priorizar a Educação Básica. 

Para que nossos futuros governadores e presidente tenham as ferramentas necessárias para recuperar esse vácuo na educação, é necessário que os deputados federais façam valer o direito de milhares de estudantes em todo país que querem retornar à escola pública de qualidade e através dela conquistar seus sonhos de um futuro melhor.

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