Ensinando a ensinar: 4 pontos para repensar o estágio obrigatório
“O professor precisa formular suas hipóteses de prática docente e verificar sozinho se elas funcionam. sem contar com ajuda de estágio. Isso faz com que ele se feche e ensinar acaba sendo um trabalho solitário. Por isso, tenho dúvidas sobre até que ponto o professor da Educação Básica é bem preparado para receber um estagiário em sua sala de aula”, comenta Daniel Lucas de Assis, professor recém-formado de matemática na rede municipal de ensino da cidade de Vespasiano (MG).
As dúvidas do educador exemplificam as dificuldades que se estendem a docentes recém-formados de todo o Brasil. Em levantamento realizado pelo Todos a partir das respostas ao Enade 2017 de licenciandos sem experiência prévia no magistério, verificou-se que apenas 52% dos futuros professores responderam que tiveram acompanhamento adequado o tempo todo por parte dos docentes da instituição de ensino em que estagiaram. Além disso, menos da metade (48%) dos futuros professores tiveram supervisão e orientação de seu professor universitário todo o tempo durante seu estágio.
Dificuldade de colocar a teoria em prática
Daniel realizou dois estágios obrigatórios durante sua formação, um no quinto semestre da Graduação e outro no último período de Licenciatura. Apesar dessas experiências, ele vê muitos problemas no estágio da maneira como é feito hoje. Sua preocupação reflete a preocupação dos especialistas a respeito do assunto. “Ficou a sensação de que poderia ter sido melhor, se tivesse uma comunicação melhor entre minha instituição de ensino e a escola onde estava estagiando”, pondera.
Para Marília Valsechi, doutora em Educação com tese a respeito do estágio curricular obrigatório, essa etapa da formação inicial deve possibilitar ao estudante de Licenciatura a experiência prática profissional e seus desafios. “O estágio é um espaço de formação com grande potencial. Mas, para isso, é preciso que o conhecimento teórico seja articulado ao local de trabalho desse futuro professor”, explica.
A falta de preparo para o que será enfrentado no dia a dia escolar é uma das variáveis responsáveis pela percepção de que a formação dos professores brasileiros deixa a desejar – cenário retratado pela pesquisa Profissão Docente, feita pelo Todos em parceria com o IBOPE e a Conhecimento Social. Para os professores, o tema da gestão de sala de aula é o menos trabalhado durante sua formação inicial, apesar de ser reconhecido como muito importante. Ou seja, aspectos vistos como essenciais para dar boas aulas estão sendo deixados de lado.
O Conselho Nacional de Educação (CNE) publicou a resolução n°02/2015 que procura mudar esse quadro, fortalecendo as atividades práticas durante a formação ao prever, além do estágio obrigatório de 400h, mais 400h de disciplinas práticas.
Embora a normativa seja vista com bons olhos pelos especialistas, muito de sua efetividade dependerá dos supervisores das práticas. Para Marília, um dos fatores que comprometem a qualidade do estágio é o docente universitário ter muitos futuros professores para orientar e supervisionar. Por outro lado, os professores da escola básica vivem situações ainda mais críticas no que diz respeito a realizar um bom acompanhamento. “Eles têm salas superlotadas, carga horária elevada, salários baixos. O acompanhamento é mais um trabalho e os professores não são remunerados por isso”, critica.
Diante de tantos desafios, como essa etapa prática da formação inicial pode melhorar? Compilamos o que Daniel e Marília pensam sobre isso em 4 pontos. Veja!
1. Mais diálogo e capacitação de professores
Durante a Licenciatura, Daniel precisou buscar as escolas em que queria estagiar. Ele sugere que haja maior integração entre universidade e escola, assim esse processo pode ser facilitado e qualificado. “Poderia haver uma parceria direta entre as duas instituições, de modo que a universidade fizesse reuniões e capacitasse os professores já formados para receber o aluno licenciando, tratando dos pontos que o estagiário deve observar e atuar para melhorar a sua aula”, diz.
2. Pensar a prática além do estágio
Marília considera necessário mudar a antiga concepção de que só disciplinas de Pedagogia e estágio devem tratar dos aspectos práticos da docência. “Existe a ideia de que outras matérias não têm a obrigação de formar o professor para a prática, como linguística em Letras ou biologia molecular em Biologia. Mas o estágio não é a única disciplina responsável pela formação voltada à atuação profissional, todas deveriam ter essa preocupação de maneira transversal”, afirma.
3. Distribuir as horas de estágio ao longo do curso
Marília entende ser importante distribuir melhor o tempo de estágio da formação inicial. “Deve ser mais pulverizado, a partir do segundo ano de curso. Além disso, é preciso garantir que o número de alunos estagiários por professor universitário seja possível de acompanhar, isto é, que não haja sobrecarga. Esse ponto é importante porque tem impacto orçamentário para a instituição de Nível Superior, uma vez que essa responsabilidade está na carga horária de trabalho do docente universitário”, explica.
4. Remunerar o professor de escola básica pelo acompanhamento
Outro aspecto importante apontado por Marília é que o professor supervisor da Educação Básica deve receber contrapartida financeira por estagiário. “Acompanhar também é um trabalho e deve ser visto assim. Precisa haver uma legislação que garanta a remuneração por essa atividade”, afirma. Nesse sentido, ela destaca o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid). O projeto oferece recursos tanto para estagiários quanto aos professores orientadores da escola básica e aos coordenadores de curso universitário que tenha alunos participantes. “O Pibid tem ótimos resultados e temos que aprender com ele”, pondera.