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Educação: o que está nas mãos do presidente?

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No período que antecede as eleições presidenciais, as demandas para o futuro líder do Executivo são muitas e a Educação geralmente está entre elas: quero mais creche; quero uma Educação melhor para meu País; quero menos alunos por sala de aula.

 

Todas essas reivindicações dos eleitores e eleitoras são mais do que legítimas e desejáveis, mas será que tudo que se deseja para os estudantes e educadores – e, claro, para o País – está sob a responsabilidade direta do Presidente da República? Isto é: as promessas que ouvimos nas campanhas são realmente atribuições desse cargo político?

Poder tripartite: o que é?

Em um país, se um grupo ou uma única pessoa concentrasse a autoridade para criar leis, executá-las e julgar quem as desrespeitasse, a tendência seria haver abuso de poder – exatamente como acontece em lugares em que há regimes autoritários. A fim de impedir isso, o filósofo político francês Montesquieu propôs a teoria da “separação dos poderes”, isto é, a divisão do governo em Três Poderes (por isso, tripartite), uma maneira de organização política bastante comum aos sistemas democráticos modernos.

Nesse esquema, o poder é repartido entre: Legislativo (exercido no âmbito federal brasileiro pelo Congresso Nacional), que é responsável por criar e discutir leis; Executivo, que “administra” o país e coordena as políticas públicas federais, tudo conforme às leis; e o Judiciário, que tem a função de julgar o cumprimento dessas mesmas leis e punir quem as desobedece. Cada uma das três partes é independente, mas todas devem ser harmônicas (artigo 2° Constituição Federal) entre si. Ou seja, se uma delas fizer mal seu papel ou invadir a competência do outro, todo o País sofre. A ideia é, portanto, que haja um equilíbrio.

E o presidente com isso?

Agora que você já sabe como se jogam as cartas em um país com separação de poderes, como é o caso do Brasil, passemos às funções do Presidente da República. Em linhas gerais, ele é o representante máximo do Executivo federal. Sua função é uma das mais desafiadoras dentro de um sistema com separação de poderes: administrar o Estado sem perder a harmonia com os outros dois poderes. Para isso, não basta que ele tenha ideias: ele deve articulá-las bem com aquelas dos outros dois poderes.

Federação: o que é isso?

Além da separação tripartite, há ainda outra questão que relativiza o poder do presidente: a Federação! O Brasil é uma federação, o que significa que é formado pela União, o Distrito Federal (DF), os estados e os municípios e que cada uma dessas unidades têm responsabilidades diferentes na prestação e atendimento de serviços públicos. Na prática, isso quer dizer que essas instâncias são complementares e várias normas (federais, estaduais e municipais) podem coexistir no País, modificando as políticas públicas de todas as áreas – incluindo a Educação.

Então, o presidente não manda em tudo?

Definitivamente, não. Essa é uma ideia do senso comum equivocada. Dentro da União, o presidente tem de atuar ao lado dos Ministérios de Estado e a União, por sua vez, tem de agir de maneira complementar aos governos estaduais e municípios. Além disso, o presidente ainda tem de atuar complementarmente ao Legislativo e Judiciário.

Em resumo, o presidente é o chefe do governo, mas não faz nada sem ter ao seu lado um bom Ministério de Estado (com suas secretarias), um bom Legislativo e um bom Judiciário, uma vez que todos eles influenciam na qualidade das políticas.

Qual a relação do presidente com as políticas educacionais?

No que tange à Educação, em vez de o presidente agir diretamente nas redes de ensino, ele deve articular suas propostas com o Ministério da Educação (MEC). O MEC, por sua vez, tem responsabilidades bem específicas. A pasta coordena e organiza as ações do ensino brasileiro, dando diretrizes, e presta assistência técnica e financeira aos estados e municípios, conforme prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a principal legislação da área. Apenas a Educação Superior (o que inclui a formação dos professores nos cursos de Pedagogia e licenciaturas) é de gestão direta da pasta – todo o restante é de responsabilidade das redes locais de ensino, municipais ou estaduais.

Há apenas duas exceções. Colégios de aplicação e Institutos Federais são ligados às universidades federais. Nesses casos, a administração é feita pelo MEC. No total, são apenas 644 nessa rede, segundo dados do Ministério.

Ou seja: se você quer mais creches na sua região, não será diretamente o presidente o responsável por isso, mas sim o prefeito de sua cidade, pois isso é da responsabilidade dele. O que o presidente, representado na figura do MEC, pode fazer é criar programas e políticas públicas que apoiem as prefeituras na expansão de vagas, por exemplo. Mas é o município quem vai executar a construção das unidades, contratar professores e atender a demanda de alunos. Vale a mesma lógica para a falta de docentes na escola estadual de seu filho: a contratação dos professores é de responsabilidade do governo estadual.

O que o presidente pode fazer pela Educação, então?

Abaixo compilamos algumas contribuições que poderiam ser dadas pelo “chefe” do País à área. Consulte também todas as atribuições do cargo previstas no Art. 84 da Constituição para saber o que cobrar. Vamos lá:

– Escolher bem o ministro da Educação

O presidente da República é responsável por indicar os ministros de Estado, entre eles, o ministro da Educação. Aqui está uma primeira decisão importante que o líder do País pode tomar em favor da área: escolher bem o chefe da pasta, já que o perfil desse profissional ajudará a definir a qualidade das políticas públicas que serão criadas e executadas.

Fazer da Educação uma prioridade

Como chefe de governo, o presidente define as diretrizes de sua gestão, ainda que os responsáveis por elas sejam os ministros. Por isso, ele pode prever em seu plano de governo mais tempo, articulação política e conhecimento técnico a favor da Educação, de modo que a área ganhe destaque não somente em sua gestão, como nas seguintes.

– Mudar a formação inicial dos professores

Atualmente a formação dos nossos professores é bastante focada na teoria sobre Educação, dando pouca atenção à prática da sala de aula. Isso resulta em uma grande desigualdade de qualidade na área do ensino, já que muitos professores chegam à sala de aula sem saber efetivamente como ensinar seus alunos e alunas. Como o MEC é responsável pelo Ensino Superior, o presidente pode articular com a pasta uma política nacional para uniformizar as diretrizes curriculares das licenciaturas para preparar melhor e com mais equidade nossos docentes.

– Ficar de olho nas leis

Entre as atribuições do presidente também estão várias relacionadas às leis, como iniciar o processo legislativo (em casos específicos); sancionar, promulgar e fazer publicá-las; e vetar projetos de lei, total ou parcialmente. Ele pode utilizar esse poder em favor da Educação, promulgando apenas legislações que de fato aprimorem a qualidade da Educação ou vetando legislações sem base técnica ou que causem sobreposição de ações.

Um bom exemplo foi o Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado em 2014, sem vetos. Diferente do plano anterior (2001-2011), que teve um veto a uma porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB) dedicada à Educação. Outra iniciativa importante do presidente foi a sanção da lei nº 10.639/2003 que estabelece o ensino de história e cultura africana que recebeu vetos a fim de não sobrepor-se à LDB.

– Mais dinheiro e melhor gestão para a Educação

Outra responsabilidade direta dada ao presidente é enviar ao Congresso Nacional o projeto de lei de diretrizes orçamentárias, que deve ser entregue até 31 de agosto. Na legislação que define as prioridade do orçamento do ano seguinte, o presidente pode proteger retrocessos financeiros na área educacional e induzir a melhor gestão.

No próximo mandato, é importante que o presidente eleito priorize o Fundeb, principal política de financiamento educacional. O Fundo expira em 2020 e precisa se tornar permanente e aprimorado, promovendo uma redistribuição mais equitativa.

– Diálogo pela Primeira Infância

Já existe no Brasil um Marco Legal da Primeira Infância, que visa garantir os direitos das crianças de 0 a 6 anos. Ele prevê a elaboração de uma Política Nacional Integrada para a Primeira Infância e cabe ao presidente promover o diálogo entre os Ministérios da Educação, Saúde e Desenvolvimento Social a fim de fazer a política sair do papel. Tais diretrizes, assim que definidas, serão executadas pelos outros entes federados (municípios, estados e DF), com auxílio de um Comitê Intersetorial.

– Fazer cumprir a BNCC

O País já tem uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental. O documento é importante para garantir que as crianças de todo o País tenham acesso a um ensino de qualidade, mas isso só acontecerá se a política for implementada. Embora as redes de ensino sejam responsáveis por executar a política, O presidente pode e deve garantir que o MEC ofereça apoio técnico e financeiro às redes municipais e estaduais.

– Muda o governo, continuam as conquistas da Educação

Toda troca de gestão federal prevê um período chamado de transição de governo, em que as equipes passam para os sucessores as informações e dados sobre as políticas públicas e a situação financeira do País. É essencial que o presidente prestes a sair e o novo pactuem a continuidade das boas iniciativas educacionais, garantindo, assim, que a Educação seja uma política acima das trocas de partidos ou disputas políticas.

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