Tempo de leitura: 3 minutos

Diversidade na escola: as múltiplas expressões de afeto

|

Os processos democráticos têm sido cada vez mais demandados por alunos em todas as instâncias do processo educacional. Engana-se quem pensa que os jovens buscam participar apenas das decisões relacionadas aos aspectos administrativos da escola. Nas ocupações escolares que marcaram os anos de 2015 e 2016, por exemplo, o protagonismo dos estudantes colocou em xeque as relações de poder entre os gêneros e a marginalidade das diversidades.

Entre os temas abordados pelos estudantes, estão a identidade e as demonstrações de afeto que, assim como na sociedade, ocorrem também nas dependências das escolas, como assinala a psicóloga e orientadora educacional Catarina Iavelberg, em conversa com o Todos Pela Educação. É cada vez mais necessário que os gestores escolares e professores sejam preparados para lidar com as diferentes expressões de afeto dentro de um amplo espectro de identidades e orientações sexuais, sem dar tratamento diferenciado a ninguém.

A escola não escapa, contudo, dos dilemas que esse assunto suscita na sociedade. O enraizamento dos costumes nas relações heteronormativas, por exemplo, pode ocasionar conflitos. Mas é preciso criar um ambiente de formação cidadã voltada para a igualdade e a tolerância, como pontua a versão atual da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Trabalhar os limites nas demonstrações afetivas demanda um debate amplo sobre diversidade desde a Educação Infantil. Para Iavelberg, estereótipos sobre o que é de menino e de menina, por exemplo, devem ser desconstruídos desde a tenra infância.

Na análise de Toni Reis, da Aliança Nacional LGBTI+, sexólogo e professor, as demonstrações de afeto, como dar as mãos ou um selinho, aparecem durante todas as etapas da Educação, mas se intensificam a partir do Ensino Fundamental II, e não devem ser reprimidas, pois fazem parte do desenvolvimento humano.

No entanto, o educador alerta que os limites são importantes, principalmente levando em consideração nossa cultura. Imagine um casal se beijando e se acariciando intensamente no pátio da escola, comportamento que não condiz com o espaço público. Diante dessa situação, o diálogo é sempre a melhor pedida. Para Reis, dizer um “não” sem que haja uma discussão sobre o assunto é o contrário de educar. “É preciso conversar com os adolescentes e esclarecer que a escola não é lugar para relações sexuais e carícias nas zonas erógenas”.

Iavelberg, por sua vez, indica que, se for um caso pontual, gestores e educadores devem apostar em uma conversa diretamente com o casal, explicando o motivo de a atitude e o comportamento terem sido inadequados e por que incomoda.

A sexualidade, entretanto, não deve ser um tópico abordado apenas quando surgem os conflitos éticos. Os jovens devem ser formados para lidar com a sexualidade com responsabilidade e a escola deve abrir espaço para a construção de debates em torno das temáticas relacionadas a isso durante toda a formação escolar, inclusive tópicos como demonstrações de afeto, responsabilidade com o próprio corpo e respeito aos espaços públicos.

Existem diferentes técnicas para abordar esses assuntos nas disciplinas regulares do Ensino Médio. Uma delas é promover debates depois da exibição de filmes ou séries. Segundo Iavelberg, o importante é que sejam atividades que abram espaço para os alunos se colocarem no lugar do outro. Trechos de filmes com a descoberta, o preconceito e o medo relacionados à homoafetividade e diferentes identidade de gênero podem ser bons disparadores de discussões sobre a desconstrução dos preconceitos que acompanham as reações discriminatórias às demonstrações de afeto de diferentes grupos de pessoas.

Para que essas reflexões sejam construtivas, é necessário o enfrentamento de tabus e preconceitos dos educadores. Cabe ao professor fazer uma autoanálise e ver por que ele se incomoda tanto com casais homoafetivos e não com heterossexuais. O tratamento respeitoso entre alunos heterossexuais e homossexuais passa pelo exemplo dos educadores. Frente a um caso de discriminação, os professores nunca devem abafar o caso; é preciso agir.

Contudo, isso requer uma construção coletiva de cada escola, aponta Iavelberg, pois o professor pode ficar paralisado frente a uma situação para a qual não se sente preparado.

Duas dicas dadas pela psicóloga:

– Não fingir que não viu. Ainda que o docente não saiba lidar com uma situação vexatória de preconceito, ele deve marcar que o comportamento em questão é discriminatório e que será resolvido em outra situação (junto a uma conversa com a coordenadoria, por exemplo).

– Para saber como lidar com ações de preconceito em sala de aula, o docente precisa levar os casos para os colegas e gestores, porque lidar com essas situações não é algo sabido, não é há uma receita pronta, é um conhecimento que precisa ser construído coletivamente em cada ambiente escolar.

Demonstrações homoafetivas e discriminação contra homossexuais são assuntos que podem gerar conflitos na escola. Por isso não podem ser ignorados. Reis destaca que o caminho para uma escola menos preconceituosa é a igualdade de direitos para os estudantes: “o que um pode o outro também pode”.

É dever da escola preparar os estudantes para lidar com a sexualidade e com as diferenças de identidade e pensamento, partes fundamentais do mundo e das relações sociais. Toda vez que um educador se omite ou age de maneira discriminatória, ele perpetua a violência e fere a igualdade prevista na Constituição Federal, comportamento que não pactua com o caráter democrático e laico da escola.