Estreamos a série “Diálogos com Todos”, onde traremos conversas em formato de entrevistas com uma diversidade de pessoas e temáticas conectadas às nossas iniciativas e pautas prioritárias (conheça no Educação Já). Nesta primeira edição, para o Mês da Primeira Infância, conversamos com Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.

- Recentemente, a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal publicou o “Panorama da Primeira Infância”, que revelou que 42% dos brasileiros não sabem o que significa o termo “Primeira Infância” e 84% não reconhecem que o maior desenvolvimento físico, emocional e de aprendizagem ocorre justamente nestes primeiros anos de vida. Como a falta de informação por parte dos adultos impacta a vida das crianças e como podemos mudar esse cenário?
A falta de informação e de conscientização sobre os primeiros anos de vida está diretamente ligada à qualidade dos cuidados que as crianças recebem.
Se os responsáveis não compreendem a especificidade dos 0 aos 6 anos, podem subestimar a importância de estímulos adequados, de cuidados específicos e de abordagens de parentalidade que são cruciais nesse período, prejudicando o desenvolvimento integral da criança.
No campo da política, a invisibilidade e o desconhecimento da Primeira Infância resultam em sua baixa prioridade no debate, no orçamento e em iniciativas que priorizem bebês, crianças pequenas e suas famílias.
Para mudar esse cenário, é essencial tornar o conhecimento sobre a Primeira Infância acessível e presente. Isso envolve ampliar campanhas de conscientização para toda a sociedade, capacitar profissionais que atuam diretamente com crianças e suas famílias e garantir que as políticas públicas sejam orientadas por evidências científicas.
Quanto mais a sociedade e os tomadores de decisão entenderem o valor desses primeiros anos, mais chances teremos de criar ambientes que favoreçam o desenvolvimento pleno das crianças, reduzam desigualdades e fortaleçam as bases para uma sociedade mais justa.
2. O Todos Pela Educação publicou um estudo sobre a Educação Infantil no Brasil, que mostra que o país vem tropeçando desde a Primeira Infância: são mais de 2 milhões de crianças de 0 a 3 anos sem acesso à Creche por dificuldade de acesso; e as desigualdades entre as crianças pobres e ricas nesta faixa etária aumentou, sendo aquelas em maior vulnerabilidade social as mais afetadas pela ausência de vagas. Como esse cenário reflete na sociedade e no país? E quais caminhos para redução das desigualdades desde a Primeira Infância?
O acesso à Educação Infantil é um direito da criança e da família, assegurado pela Constituição Federal. Embora a Creche, destinada a crianças de 0 a 3 anos, não seja obrigatória, trata-se de uma oportunidade valiosa, que deve ser garantida pelo poder público a todas as famílias que desejam uma vaga.
Quando 2,3 milhões de crianças estão fora da Creche – em sua maioria vivendo em situação de vulnerabilidade e, portanto, entre as que mais precisam desse acesso – fica evidente que seus direitos estão sendo negados.
Crianças negras e pobres são historicamente mais vulnerabilizadas no Brasil, e a desigualdade no acesso à Educação Infantil reforça essa exclusão. Ao não frequentar Creche ou Pré-escola, essas crianças perdem oportunidades de receber estímulos, interagir, se alimentar adequadamente e estar em um ambiente seguro. Isso compromete o desenvolvimento, afeta a progressão escolar e a transição para etapas seguintes de ensino, perpetuando desigualdades que atrasam o país.
O impacto vai além da criança: o acesso à Creche também é determinante para a inserção das mulheres no mercado de trabalho. Sem vaga, o adulto responsável enfrenta dificuldades para trabalhar, alimentando o ciclo da pobreza e sobrecarregando a rede de apoio, que acabam assumindo os cuidados da criança.
Para reverter esse cenário de desigualdade, é preciso estabelecer prioridade. O Brasil já dispõe de um acervo robusto de pesquisas, experiências e políticas que comprovam a importância da Primeira Infância. O desafio é transformar esse conhecimento em compromisso real, com financiamento contínuo, metas claras e monitoramento constante.
Alguns caminhos são essenciais: planejar a expansão de vagas com atenção especial aos públicos mais vulneráveis; identificar e localizar as crianças fora da Educação Infantil por meio de estratégias como a Busca Ativa Escolar; sensibilizar as famílias sobre a importância dessa etapa; articular ações intersetoriais que integrem saúde, assistência social e educação para garantir o direito à educação desde os primeiros anos de vida.
3. Tendo em vista todos os desafios da Primeira Infância no nosso país, o que torna uma Política Nacional Integrada para a Primeira Infância tão importante – o que mudará, na prática, nas vidas das crianças e suas famílias?
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer e celebrar a importância desse passo para o Brasil e para a Primeira Infância. Prevista desde 2016 no Marco Legal da Primeira Infância, essa política é uma conquista que coloca o país na vanguarda mundial e posiciona o cuidado e a atenção aos seis primeiros anos de vida como estratégia central no combate às desigualdades. Mas agora é hora de tirá-la do papel. O Brasil é ótimo em criar leis, mas precisa, efetivamente, implementá-las.
A Política Nacional Integrada para a Primeira Infância é fundamental porque organiza, de forma articulada entre diferentes esferas governamentais e áreas setoriais, ações e investimentos voltados às crianças de 0 a 6 anos, garantindo que saúde, educação, assistência social e proteção caminhem juntas. Hoje, essas áreas pouco se comunicam, e as famílias acabam enfrentando lacunas no atendimento.
Uma das propostas centrais dessa política é a criação de um banco de dados unificado, que permitirá o cruzamento de informações para direcionar melhor a construção de políticas públicas e o atendimento às crianças. O uso da tecnologia em favor da Primeira Infância também permitirá que pais recebam informações importantes sobre a saúde de seus filhos e até acompanhem a fila de espera da creche, por exemplo. A ideia é que esses dados, reunidos a partir de diferentes ministérios, fiquem disponíveis para as famílias e também para gestores escolares e profissionais de saúde, oferecendo um panorama completo sobre cada criança.
Em outras palavras: a PNIPI é uma oportunidade de olhar para a criança em sua integralidade, romper ciclos de desigualdade e oferecer às múltiplas primeiras infâncias brasileiras um país mais acolhedor e que, de fato, olhe para criança como uma prioridade absoluta, como diz o artigo 227 na Constituição.
4. Qual o papel da sociedade civil organizada e como as organizações podem unir forças e potências para colocar a Primeira Infância em lugar de prioridade na pauta nacional?
Há um provérbio africano que diz que “é preciso uma vila para cuidar de uma criança”. Precisamos não apenas ativar essa vila, mas também conscientizá-la sobre a potência do seu papel.
Garantir que todas as crianças sejam acolhidas e tenham condições de atingir seu pleno potencial de desenvolvimento exige a atenção conjunta de todos os atores que compõem essa vila: famílias, poder público, empresas e sociedade.
Nesse contexto, a sociedade civil organizada tem papel decisivo para transformar a Primeira Infância em prioridade nacional, pois consegue mobilizar, influenciar e pressionar o poder público. Quando essas organizações unem forças, ampliam seu alcance e potencial de impacto. Isso pode acontecer por meio de redes e coalizões que compartilham dados, coordenam campanhas de sensibilização e advocacy ou apresentam propostas conjuntas de políticas públicas. A Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e o Todos Pela Educação, por exemplo, atuaram juntos na mobilização pela criação da Política Nacional Integrada para a Primeira Infância.
Neste Agosto Verde, mês dedicado à primeira infância, também reunimos diversas organizações para falar sobre a Primeira Infância sob diferentes perspectivas. Por ser um tema transversal, quanto mais vozes se juntam para defender a causa, mais luz conseguimos lançar sobre ela. A união aumenta a capacidade de incidência política, pois uma pauta defendida por múltiplos setores tem mais força para entrar e permanecer na agenda do país.
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