Dia da Mulher: “Cheguei até aqui, porque nunca parei de estudar”, afirma Maria Cecília Motta, presidente do Consed
Quase meio século depois de estudar em uma sala de aula pela primeira vez, ainda menina, aos 18 anos de idade, Maria Cecília Amendola Motta tornou-se presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), em 2017. A trajetória é de uma minoria. As secretarias estaduais de Educação contam com apenas 9 mulheres ; a quantidade de homens é duas vezes maior. “A maturidade nos mostra que há diferenças, só depois de muito tempo vemos. Descobrimos que você não conseguiu aqui ou acolá, que a trajetória foi difícil para você e tão mais fácil para o outro, mesmo você tendo competências idênticas”, pondera.
No Dia Internacional da Mulher, a secretária reflete sobre o papel delas na gestão da Educação, área em que não há igualdade de representação nos altos cargos, mesmo a sala de aula sendo majoritariamente feminina. Desigualdade que, aliás, se reflete no comando do Ministério da Educação (MEC) que, mesmo sob governos de diferentes identidades e posicionamentos políticos, teve apenas uma mulher entre as 53 lideranças da pasta desde sua criação em 1930.
Efeito cascata
A escolha para secretaria de Educação estadual e municipal, assim como ministro da Educação é feita por indicação, isto é, são opções políticas dos chefes do Executivo – presidente, governador(a) e prefeito(a).
“Os secretários estaduais são indicados e geralmente sai na frente quem já tem carreira política, como deputado, por exemplo. No meu estado elegemos zero mulheres para esse cargo, ou seja, é um efeito cascata – as mulheres não se elegem no parlamento e não são indicadas para as secretarias”, explica a educadora.
Para ela, as atribuições da carreira têm a ver com competência e são para homens e mulheres e elas não só podem como devem encarar o desafio da gestão educacional. Ela toca, portanto, no calcanhar de Aquiles da gestão educacional: não há critérios de seleção técnica e profissionalização da carreira que garanta um desenvolvimento profissional pautado em boa formação, como as pesquisas indicam ser essencial para a qualidade do ensino.
Apesar desses percalços, o conselho dela para quem sente interesse na área é insistir. “Muitas vezes somos intimidadas e muitas podem temer enfrentar o desafio. Mas, se você tem sonho e tem a competência para tal, vá. Se bastem mulheres, lutem pelo que acreditam. Não é fácil, mas é possível”.
Gestora ‘mão na massa’
A formação técnica e a gana pelos estudos sem interrupção são, acredita Maria Cecília, um dos principais fatores que a levaram à posição de destaque na liderança educacional. “Um ponto fundamental para chegar onde cheguei é que nunca parei de estudar, olharam meu currículo e viram um respaldo técnico”, afirma.
Ela garante ainda que sua formação é fortalecida por ser uma gestora que não apenas manda, como faz. “Eu mesma dou formação para meus diretores, para os meus professores; eu permaneço fazendo cursos. Você não assume uma cadeira e manda o outro fazer, você assume uma cadeira porque você já fez e sabe que tem que continuar fazendo. O conhecimento é muito provisório – o que vale hoje amanhã não está valendo”, pontua.
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Não por acaso, o currículo da gestora mistura experiências de diferentes naturezas na Educação. Formada em Pedagogia, especializada em Ciências Biológicas e mestre em Educação e Políticas Públicas para a Infância, Maria Cecília já foi professora da Educação Básica, coordenadora pedagógica, diretora escolar, professora na Educação Superior, secretária municipal de Educação de Campo Grande (MS), diretora de uma ONG com foco em Primeira Infância, vice-presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e está no segundo mandato como secretária estadual de Educação do Mato Grosso do Sul e presidente do Consed.
Toda essa bagagem e compromisso com o conhecimento prático é complementado pelo jogo de cintura político que a educadora garante ser essencial para ser gestor público. “Vocês tem de ter algo particular, algo que ao adentrar a um grupo e se mostrar uma liderança, saber criar consensos e ter boas habilidades nas relações interpessoais”, explica.
Escola pró-igualdade
Ainda que as salas de aula tenham mais professoras, Maria Cecília aponta que as mulheres precisam conquistar espaços ali também para conseguir se impor. Na gestão, o desafio só aumenta. “Eu acho que não existe isso de carreira apenas para homem, mas a gente sente que as pessoas pensam isso. A gente fala que o Brasil não é um País que discrimina, mas claro que discrimina: o gordo, o negro, a mulher, a criança, o idoso. A gente tem discurso, mas a prática ainda está longe da igualdade entre os seres humanos”, critica.
Na sala de aula, a igualdade deve começar a ser tecida por meio das representações diversificadas das mulheres. “Eu acho que estamos avançando bastante. Ando pelas escolas e vejo muitas meninas se candidatando a presidentes do grêmio. Mas, para vencer isso de vez, é preciso investir na formação dos professores e diretores. Se essas figuras forem discriminadoras, mesmo sem palavras, o corpo e o olhar deles comunicarão aos estudantes”, pondera a gestora.
Maria Cecília finaliza a reflexão colocando todas as fichas do fortalecimento da igualdade nas competências socioemocionais contempladas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em fase de implementação na Educação Infantil e Fundamental. “Essas competências trazem pilares do ser e conviver. Se trabalharmos nas escolas as questões do quem eu sou, do protagonismo, do estar junto do diferente, trabalharemos o respeito e sobre como somos iguais”.
Mulher no comando
Conheça os compromissos de Maria Cecília à frente do Consed: