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Desigualdades persistentes: só 1 em cada 3 negros tem alfabetização consolidada

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De acordo com o Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (Inaf) 2018, apenas um terço dos brasileiros negros entre 15 e 64 anos têm alfabetismo consolidado. Entre brancos, esse índice corresponde quase à metade (45%). Além disso, entre a população negra há maior proporção de pessoas em nível de alfabetismo elementar mesmo entre os grupos com escolaridade Média e Superior, mostrando que faltam políticas públicas orientadas para recuperar a aprendizagem dos segmentos sociais em que os pretos e pardos estão contidos, como os territórios de maior vulnerabilidade.

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Os dados são um recorte especial do INAF apresentado durante o 2° Ciclo de Debates sobre Analfabetismo promovido pelo Todos Pela Educação e pela instituição Conhecimento Social. Entre os convidados a debater o assunto, estiveram dois educadores negros: Daniel Faria, empreendedor social e professor, e Juliana Yade, doutora em Educação e especialista do Itaú Social.

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A não garantia de alfabetização plena para os negros é o início de uma longa história de exclusão escolar que fica evidente nos dados de acesso ao Ensino Superior. Apenas 12% da população negra cursa essa etapa de ensino; entre os brancos, o índice é de 25%, de acordo com dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica 2018.

Daniel faz parte dessa minoria, mas alerta que há pouco o que comemorar. “Desde pequeno, eu ouvia do meu pai e da minha mãe ‘filho, porque você é preto, tem que estudar muito, mais que um branco se você quiser ser tratado igual.’ Ouvi isso e fui fazer sete faculdades. Apesar de meus pais terem dito isso para meu bem, esse é um fardo muito pesado de se carregar. A maior decepção é que, mesmo depois de tudo isso, você não é tratado igual”, contou Daniel Faria, fundador da Orpas (Obras Recreativas, Profissionais, Artísticas e Sociais), ONG criada em 2005 no Jardim São Luís, extremo sul da cidade de São Paulo.

Juliana reforça o ponto de Daniel: mesmo ao ter acesso à Educação, a  população negra ainda é vista em um lugar subalterno. “É recente o pensamento sobre acesso à Educação com qualidade e oportunidades iguais para a população negra. A forma que a escola dialoga com a identidade negra mais operacionaliza a evasão do que a aprendizagem desses sujeitos”, afirmou.

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Na análise da especialista, os dados do INAF devem ser interpretados dentro de uma construção histórica brasileira com mais de 300 anos de escravização e falta de políticas públicas para inserção da população negra na escola após a abolição. “A abertura da escola para todos é muito recente. Essa população está na primeira ou segunda geração de escolarizados, o que é muito diferente da situação em que há seis ou sete gerações com estudo. Eu mesma faço parte da primeira geração que finaliza a Educação Básica. Isso traz muito impacto na vida social, no acesso ao trabalho e à cidadania”, explicou.

Diferenças que são externadas nas relações da vida cotidiana, como conta Daniel, que, nem mesmo com muitos anos de estudo deixou de ser tratado com diferença pelas forças policiais. “Vire e mexe a polícia me para. Ano passado foi uma média de três vezes por semana. Em uma delas, fiquei três horas explicando que era professor universitário. Não sei se alguém aqui ficou três horas para provar que é trabalhador”, relembrou.

Para Juliana, essas situações persistem devido ao não enfrentamento do racismo estrutural que atravessa as relações em todos os espaços. “O Brasil é um país por formação racista. Aprendemos isso em nossas relações, na escola, em livros didáticos. Há hoje uma tomada de consciência que não pode se restringir à população negra, mas é de responsabilidade de todos nós cidadãos e educadores. Precisamos pensar em como sair deste lugar, como educar as nossas relações perpassadas pela questão racial”, pondera.

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Essa mudança passa também, segundo Daniel, por estimular a população da periferia, o que, consequentemente, melhoraria as oportunidades dos negros, que são maioria nesses espaços. “É muito difícil ter que ajudar a sua casa, pôr o alimento na mesa e ficar na escola sem aprender. Todo mundo fechou a porta e deu às costas para essa população, mas o povo da periferia é empreendedor, transformou a dificuldade em resiliência e criatividade”, defendeu.

O que é o INAF?

Criado em 2001, o INAF mede o progresso dos níveis de alfabetismo da população brasileira entre 15 e 64 anos e os recortes específicos tem por objetivo mostrar os desafios de determinados segmentos sociais na consolidação das habilidades de letramento e numeramento. Conheça o indicador e os dados gerais aqui.