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Angústia e esperança na Educação

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Quais serão as lembranças mais fortes de 2020, o ano da pandemia? Não farei aqui o exercício de antecipar as retrospectivas de finais de ano. Quero falar das marcas profundas de angústia e esperança na Educação; menos das ruins, mais das boas. Não porque as ruins sejam menos importantes, mas porque numa área tão castigada pelo descaso e falta de prioridade, os avanços precisam ser constantemente lembrados e celebrados.

E uma histórica e fundamental conquista acaba de ser efetivada:  a aprovação do novo Fundeb, que provocará enormes efeitos já a partir do ano que vem e por décadas.

Os dois dias de votação e aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Fundeb, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, nunca serão esquecidos. O Todos Pela Educação trabalhou nos últimos três anos para que o principal mecanismo de distribuição dos recursos financeiros para a Educação Pública fosse permanente na Constituição Federal. Lutou para uma maior complementação da União e eficiência alocativa e, principalmente, para um modelo mais redistributivo entre os entes da federação, de forma a promover maior equidade educacional. Sem o Fundeb a diferença de investimento entre o menor e maior investimento por aluno no Brasil seria de quase 15 vezes. Com o Fundeb caiu para 7. E agora com o “novo” Fundeb será em torno de 3 vezes.

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Graças a uma modelagem sofisticada e altamente promotora de justiça distributiva, o piso de investimento por aluno por ano saltará de R$3.700 para R$5.700, com a maior parte dos recursos adicionais vindos da União direcionados apenas para os municípios mais pobres. Num país marcado pelos privilégios e por desigualdades assombrosas, o novo Fundeb faz história: prioriza os mais pobres, aqueles que têm na escola a sua única chance de melhorar as suas vidas e a de suas comunidades.

Não se trata apenas de “mais para quem tem menos”. É também “mais para quem precisa fazer mais esforço”. A literatura aqui é vasta: na Educação, quanto maior a vulnerabilidade, mais intensa há de ser a ação do poder público. Só mais recursos resolverá? Não. Mas agora há chances de uma verdadeira transformação em escala nacional.

Embora o Fundeb seja um avanço extraordinário, importante destacar que a PEC que o normatizou não ficou imune a riscos. O Custo Aluno Qualidade (CAQ), um dispositivo extra Fundeb, mas inserido no texto da PEC, foi constitucionalizado como uma referência de padrão mínimo de qualidade que, se não tiver uma regulamentação muito bem-feita, pode reduzir de forma imprevisível os ganhos conquistados. O debate atual sobre o tema possui muita assimetria técnica e ética e ainda é muito pautado por uma visão limitada de política e gestão educacional, com dogmas cheios de verniz e palavras de ordem. Assim, da mesma forma que parabenizamos o Congresso Nacional pela aprovação do novo Fundeb, esperamos responsabilidade para evitar resultados indesejáveis na etapa das regulamentações.

Sobre a angústia: 2020 também será o ano dos efeitos brutais da pandemia na Educação, que ampliam as desigualdades educacionais, atrasando a chegada a um patamar muito mais elevado de aprendizagem de todos os alunos, e elevam substancialmente a evasão. A comemoração pelo Fundeb deve ser breve; a luta pela Educação é uma vida, um caminho longo, duro e de muita persistência para combater as forças do atraso.

O novo Fundeb, sem dúvida, dará folego maior para os municípios mais pobres e dará alguma estabilidade financeira para que as redes de ensino possam planejar ações para mitigar os efeitos da suspensão das aulas presenciais. Para além das condições de financiamento, o que fará a diferença na retomada, e fundamentalmente, na construção de uma Educação pública melhor, será uma nova gestão educacional, mais ágil e mais eficiente. Uma gestão mais focada no que é realmente importante e pautada pelas melhores evidências, que são abundantes, embora pouco executadas.

2020 será um ano de muitas e fortes lembranças.

Artigo originalmente publicado no jornal O Globo.