“A prática docente é vivencial e não pode ser a distância”, afirma Claudia Costin
Em outubro, mês dos professores, o debate sobre a valorização docente sempre vem à tona. Neste ano, um assunto fundamental para o futuro da profissão está ganhando destaque: o que devemos proporcionar aos professores durante sua formação para que estejam plenamente preparados para os desafios da sala de aula? É isso que está por trás da discussão em torno da proposta de reformulação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) da formação de professores, atualmente sendo debatida pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).
Sob consulta pública até o dia 23 de outubro, o documento recebeu sugestões de aprimoramento do Todos Pela Educação em parceria com o Movimento Profissão Docente. A fim de ampliar ainda mais as vozes sobre o assunto, o Todos convidou Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, da Fundação Getúlio Vargas (Ceipe/FGV), e ex-diretora de Educação do Banco Mundial. A discussão é de toda sociedade, uma vez que boas mudanças na formação docente impactam lá na sala de aula.
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Todos: No que consiste o parecer em discussão no CNE? Já não temos Diretrizes Nacionais Curriculares para a formação dos professores?
Claudia: A partir do momento que se criou a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – que inclusive está traduzida em currículos locais -, a legislação demandava que se ajustassem as diretrizes de formação docente. Isso faz todo sentido, pois tendo os direitos de aprendizagem e competências dos estudantes estabelecidas, é importante que a formação dos professores, tanto inicial e continuada, estejam coerentes com o que esperamos que crianças e jovens aprendam.
E quais são os pontos positivos do parecer do CNE e das DCNs?
O parecer dialoga bem com a demanda da BNCC. Também achei interessante que se dedicou espaço no documento para mostrar o que um professor precisa saber para ser professor – vai ao encontro da ideia de que temos que transformar a prática docente em um exercício mais profissionalizado. Já em relação às DCNs propriamente ditas, eu acho que a direção está correta. Está indicando uma formação mais rigorosa, em muito mais diálogo com a prática. Para muitos, é como se para ser profissional da Educação bastasse ensinar meia dúzia de teorias e pronto, e não é isso. A formação para essa área tem de ser preparatória para uma prática profissional. Tivemos isso no passado, na formação de Magistério, mas, na passagem para universidade, perdemos isso.
E quais são os pontos de atenção nesses documentos?
O primeiro deles é Educação a Distância. Eu não acredito em formação de professores completamente a distância. Pode-se usar ensino híbrido, pegar algumas teorias e trabalhar em EaD, mas hoje não temos domínio técnico suficiente para fazer o diálogo entre teoria e prática na formação docente usando essa tecnologia. Se a EaD fosse boa, já estaríamos formando neurocirurgião infantil – que, assim como os professores, também opera cérebros de crianças, mas em outro sentido -. Mas não fazem isso. Não fazem porque esse aprendizado é justamente vivencial. E o que queremos aprimorar na formação dos professores é justamente isso, a vivência. No futuro até poderemos trabalhar melhor com EaD, mas não agora. Deve haver um limite de uso de tempo de formação a distância na formação de professores – e ousaria dizer que não pode ser mais de 50%. Outro ponto de atenção é a complementação pedagógica. Vários países já extinguiram ou vão extinguir esse tipo de curso. Não deveríamos manter isso, mas não fomos ousados suficientes para tirar. Existir complementação pedagógica como se ser professor fosse uma coisa fácil é uma das razões pelas quais a qualidade da nossa Educação anda tão ruim.
Quais outras medidas são necessária para que alcancemos uma carreira docente valorizada?
Sempre digo que tem que ter seletividade maior no acesso aos cursos de formação de professor. Deveria ser bem mais seletivo: encantar os melhores alunos do Ensino Médio com a possibilidade de ser professor e não aceitar futuros licenciados que não tenham uma nota mínima no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) – essa deveria ser uma pré-condição. Também poderíamos oferecer bolsas para os melhores alunos do Ensino Médio, e garantir formação de professores mais exigentes e em cursos integrais, em que os jovens vão para as disciplinas práticas desde o primeiro ano.
Outro aspecto fundamental, mas que demandaria uma mudança de cultura, o que é difícil apenas com normas, é se criar, como existe hoje na medicina, referenciais de boas práticas docentes, um código de ética profissional – algo que causasse uma movimentação entre os professores para eles mesmos indicarem o que é boa prática e ética profissional nessa profissão. A medicina já tem esses códigos e deveríamos olhar para isso na área da Educação também.
* Essas opiniões não refletem necessariamente o que o Todos defende para a melhoria da formação docente. Confira as nossas recomendações completas aqui.