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Reabertura das escolas: governos devem se planejar para retorno assim que a pandemia for controlada

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Escolas fechadas e todos os alunos e professores em casa, tentando se adaptar ao ensino remoto. Há o medo com a rebertura das escolas diante da possibilidade de contaminação pelo novo coronavírus e, ao mesmo tempo, desenha-se em um futuro bem próximo um cenário de aprofundamento das desigualdades já existentes – em especial porque o ensino remoto, embora tenha um papel importante neste momento, não tem alcançado a todos e, quando alcança, tem enormes limitações. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto DataSenado em agosto, quase 20 milhões de alunos brasileiros matriculados nos Ensinos Básico e Superior tiveram suas aulas suspensas durante a quarentena e, na rede pública, 26% dos estudantes que estão tendo aulas online não possuem acesso à internet.  Assim, em pouco tempo, a pandemia do novo coronavírus mudou a realidade da Educação brasileira.


“O debate público precisa estar centrado em como reabrir as escolas, ou seja, nas medidas que têm (ou não) sido tomadas pela gestão pública para garantir que, assim que for seguro, alunos e professores possam retornar.”

 

Recuperar o atraso na aprendizagem é possível com as ferramentas pedagógicas certas, mas quanto maior o tempo até a reabertura das escolas,  mais desafiador será o preenchimento das lacunas, especialmente para os mais pobres. Comos as escolas precisam de segurança para reabrir, é papel dos governos municipais, estaduais e federal estruturarem medidas e indicadores de contenção à pandemia da Covid-19 para que os pais, alunos e professores sintam-se seguros para voltarem às salas de aula tão logo esse retorno seja possível. E, como mostra a experiência de países que já enfrentam a pandemia há mais tempo do que nós, é possível voltar antes da vacina, uma vez que a expectativa de sua disponibilização para vacinação da população ainda é incerta. Nesses locais, isso tem se mostrado possível quando a pandemia está em declínio e em patamar muito baixo.  
 

Portanto, a decisão de adiar a discussão sobre a reabertura das escolas para 2021 gera riscos enormes de enfraquecer o senso de urgência quanto ao planejamento e execução de providências necessárias para a eventual reabertura. O cenário fica mais grave especialmente no âmbito municipal, devido às eleições que se aproximam. Diante de uma média histórica em que pouco mais da metade dos prefeitos se reelegem e 80% de secretários de educação são substituídos, uma grande parcela de municípios começará 2021 com novas gestões, que precisarão de tempo para se organizar, adiando ainda mais a retomada das aulas.
 

Nesse sentido, o debate público precisa estar centrado em como reabrir as escolas, ou seja, nas medidas que têm (ou não) sido tomadas pela gestão pública para garantir que, assim que for seguro, alunos e professores possam retornar. Confira abaixo alguns pontos sobre os dois principais aspectos dessa discussão:  a segurança para o retorno e as desigualdades causadas pela o adiamento prolongado da retomada.

SEGURANÇA PARA A REABERTURA DAS ESCOLAS

  • Qual o momento ideal de retomada das aulas presenciais?

A decisão de reabeartura das escolas depende de múltiplas variáveis e, portanto, essa resposta não pode ser reduzida a um “sim ou não”. Mas, se o foco está na garantia do direito à Educação das crianças e dos jovens, os governos devem fazer de tudo ao seu alcance para viabilizar a abertura das escolas de maneira segura o mais rapidamente possível com absoluta prioridade para garantir uma retomada gradual e segura.

  • O que a decisão sobre reabertura das escolas deve considerar? 

A experiência internacional mostra que a reabertura pode se dar de maneira segura se duas questões forem entendidas como prioritárias: controle da pandemia com indicadores claros para a população e a implementação uma série de precauções sanitárias. As balizas dos governos devem indicar, de modo claro,  o momento razoável para abertura e reforçar as medidas para o como abrir.

Por isso, diálogo é fundamental. Retornar em segurança exige ouvir os médicos, os cientistas, os pesquisadores e também a comunidade escolar, envolvendo-a no processo de reabertura. São os profissionais da Educação que estão no dia a dia das escolas que podem apontar as eventuais fragilidades dos protocolos sanitários e cobrar sua melhoria. Além disso, à luz do que algumas redes de ensino no Brasil já tem feito, o diálogo interinstitucional também é uma importante medida: Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem atuar juntos para decisões mais coesas em torno do tema.

  • Todas as escolas devem abrir ao mesmo tempo?

Além de gradual, isto é, com a ida de pequenos grupos de alunos por vez, de forma que seja mantido o distanciamento, a reabertura também deve ser decidida no âmbito de cada território, ou localidade. Isso quer dizer que uma cidade pode estar no momento de reabrir, e a vizinha ainda não, e até mesmo dentro de uma mesma cidade pode haver planos diferentes, a depender de como a gestão pública conduzir esse processo. Nesse sentido, é fundamental o diálogo entre as autoridades e lideranças de cada território para as medidas adequadas.

  • Como garantir a segurança na reabertura das escolas?

Para que haja esse importante retorno, é preciso compromisso dos governos com o processo gradual, definido junto à comunidade médica e escolar em cada região, e com olhar atento às áreas de maior vulnerabilidade. Embora a população ainda tenha receio quando se fala em retorno à escola, a 89% dos responsáveis pelos alunos aprova o ensino híbrido e a volta gradual, com dias alternados. Ou seja, há um medo de um retorno para uma rotina escolar igual à antes da pandemia – com razão, pois a escola no contexto da pandemia deve agir diferente. Voltar com segurança, portanto, significa dedicar recursos para adequação do ambiente escolar, equipamentos de proteção individual, álcool em gel, formação da equipe escolar, rearranjo curricular para abranger o ensino híbrido, rotinas mais rigorosas de comunicação entre famílias, alunos, escolas e secretaria, etc. Por isso, o auxílio financeiro nesse momento de preparo para a volta às aulas é fundamental, pois as redes de ensino estão à beira do colapso pela queda de receitas provenientes de tributos, como aponta estudo do Todos
 

++QUER SE APROFUNDAR NO ASSUNTO? O TODOS PELA EDUCAÇÃO LANÇOU UM MATERIAL QUE REÚNE OS PRINCIPAIS APRENDIZADOS DE OUTROS PAÍSES SOBRE REABERTURA DAS ESCOLAS
 

As precauções ideais

As gestões públicas, a partir do diálogo entre a áreas da Educação e da Saúde, devem definir protocolos adequados à realidade de cada localidade, de forma detalhada, e promover a formação e compromisso rigoroso de todos os envolvidos – há, inclusive um Projeto de Lei tramitando na Câmara com as principais diretrizes para uma retomada responsável, o PL 2949/2020. De forma geral, os principais pontos para o retorno das aulas, gerais a todas as redes, são:
 

1. Deixar os professores com maior risco em casa; 

2. Reduzir o tamanho das turmas, aplicando rodízio entre alunos; 

3. Observar o distanciamento entre alunos nas salas; 

4. Garantir o uso intensivo de máscaras, testes frequentes e monitoramento.


DESIGUALDADES APROFUNDADAS

  • Por que, ao lado de garantir segurança, o Todos enfatiza uma volta às aulas “o mais rapidamente possível”?

A desigualdade brasileira está se ampliando pelas condições em que a Educação está sendo ofertada durante o período de suspensão de aulas. A última pesquisa DataFolha mostrou que 20%  dos estudantes estão sem nenhum contato com atividades de ensino remoto (são quase 8 milhões de alunos), seis meses sem aulas, mas todos com aprendizado prejudicado. A consequência no médio e longo prazo para a trajetória de vida desses estudantes e do País é brutal.

O ensino remoto, mesmo para quem tem acesso, é paliativo, não chega a todos com igual qualidade, o que deve aumentar a distância entre os estudantes mais pobres e mais ricos. Em sua maioria, há uma interação entre os estudantes e educadores improvisada e bastante frágil do ponto de vista pedagógico. Segundo pesquisa da Nova Escola, 30% dos professores consideram que o ensino remoto está sendo péssimo ou ruim e 33%, razoável. Além disso, 44,9% deles dizem que poucos alunos estão acompanhando as atividades a distância.

  • Quais têm sido os impactos nas crianças e jovens do prolongado distanciamento das salas de aula?

Risco à saúde mental e violências. Quase seis meses de distância das escolas cobram um preço imediato. Uma pesquisa do Datafolha mostrou que 75% dos estudantes brasileiros se sentem tristes, ansiosos ou irritados. Além disso, houve registros de aumento da violência doméstica e de feminicídios no País. Assim, manter crianças fora da escola significa ampliar o risco imposto a elas: maior chance de serem abusadas, de má nutrição e de sofrerem o impacto negativo na saúde mental. Isso porque a escola, além de lugar de aprendizagem, é também um espaço de importância social. Dados da Fundação Abrinq mostram que, na faixa de 0 a 14 anos, são 9,4 milhões de crianças e adolescentes vivendo em situação domiciliar de extrema pobreza (renda per capital mensal inferior ou igual a 1/4 de salário mínimo) e 10,6 milhões em situações de pobreza (renda per capital mensal de mais de 1/4 até meio salário mínimo). Outra pesquisa, do Ibre/FGV, reforça que as famílias mais pobres sofrem mais: entre as famílias com renda até R$ 2,1 mil, 86,3% estão comprando apenas o essencial. 

Evasão. Essa grave situação advinda do distanciamento da escola prolongado acentua a quebra no vínculo com a escola e leva à evasão, um interrompimento da jornada escolar que tem efeitos nas trajetórias de vida e do País: maior evasão significa aumento nas taxas de homicídios e violência; com a aprendizagem em queda, crescem a desigualdade e a evasão; e o círculo vicioso se completa do curto para o médio e longo prazos, com menor crescimento econômico, salários em queda e piores condições sanitárias.