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Posicionamento: Adiamento do Enem 2020 é fundamental, mas decisão do governo é tardia e incompleta

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A pandemia do novo coronavírus fechou as escolas e deixou os 48 milhões de alunos da Educação Básica brasileira em casa. Ainda que muitas redes de ensino tenham feito um esforço para implementar soluções de ensino remoto de última hora, grande parte dos estudantes – em especial os mais vulneráveis –  estão sem acesso, ou com acesso precário, a tais alternativas. Assim, as condições de estudos, que em condições normais são muito diferentes entre as redes de ensino e os níveis socioeconômicos, ficaram ainda mais desiguais.

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Dado esse cenário crítico, estudantes, educadores, especialistas e a sociedade de maneira geral têm vocalizado pelo adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem. Essa medida vem sendo defendida pelo Todos Pela Educação em diversas entrevistas na imprensa e manifestações públicas desde o anúncio, por parte do Ministério da Educação (MEC), da decisão de manter o calendário original de aplicação das provas. Além disso, dada a importância do exame na vida dos jovens brasileiros, o Todos apoiou parlamentares na construção de um projeto de lei para o seu adiamento que foi aprovado no Senado na terça (19), seguindo para a Câmara dos Deputados, onde aguarda votação.

Nesse sentido, a confirmação do adiamento do exame pelo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e o MEC feito na quarta (20) vai na direção correta, mas é tardia, incompleta e equivocada em sua implementação.

A medida está atrasada, pois ocorre após o MEC e o INEP insistirem reiteradamente na manutenção das datas em suas falas públicas, demonstrando um comportamento alheio às demandas dos jovens, das redes de ensino e sociedade, e às evidências indicadas por instituições, especialistas e estudos que apontavam para o agravamento das desigualdades. Além disso, a tomada de decisão vagarosa acarretou desperdício de recursos públicos: gastos com ações judiciais, votação no Congresso Nacional, custos para os alunos inscritos e para as instituições de ensino públicas e privadas que estavam mantendo atividades voltadas para o Enem que seria realizado em novembro.

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A decisão também se mostra incompleta, porque prevê um intervalo de tempo para a nova data, mas não mostra nem as condições nem os critérios utilizados para a definição do período. Esse é um aspecto relevante, uma vez que o cenário é dinâmico e, infelizmente, não é possível assegurar que o prazo de 30 a 60 dias a partir de novembro será suficiente, sendo a fixação desse intervalo prematura. Além disso, não houve manifestação sobre uma possível prorrogação ou mesmo reabertura das inscrições para o exame. A medida é essencial dado que as inscrições são via internet, cuja disponibilidade desigual é acentuada durante a pandemia em função das medidas de distanciamento social, e a extensão também atenderia ao crescimento no interesse em realizar o exame devido ao adiamento da data.

Por fim, a medida é equivocada, por prever uma determinação de nova data a partir de uma consulta direcionada somente aos estudantes inscritos no exame, mostrando desprezo com os demais alunos – muitos dos quais deixaram de se inscrever por falta de recursos e pela dificuldade de estudar na atual situação – e também completa falta de compromisso com as redes de ensino e instituições de Ensino Superior, com as quais não houve qualquer diálogo.

Confira abaixo porque defendemos o adiamento do Enem:

 1)  Mais desigualdades para os mais vulneráveis
De acordo com dados do Enem 2018, dos alunos de escola pública que se inscreveram 68,7% disseram ter acesso à internet e apenas metade ao computador. Por outro lado, os que estudaram na rede privada, 96,2% possuíam internet e 89% computador. Se diminuir as desigualdades é um princípio constitucional, manter a data do exame iria no sentido contrário  a isso, pois mesmo com o cenário adverso para todos, os alunos que já são os mais vulneráveis verão suas discrepâncias se aprofundarem.

2)  Outros países adiaram seus exames
A pandemia atingiu os países do Hemisfério Norte ao final do ano letivo, o que facilitou a decisão de como proceder com seus exames. Segundo levantamento realizado pelo Instituto Unibanco, em 27 países afetados pelo Covid-19, apenas cinco mantiveram as avaliações de acesso à universidade na data prevista e em outros dois (Itália e Finlândia) a situação ainda é indefinida. Nos 20 países restantes, os exames foram adiados, cancelados ou substituídos por outra forma de avaliação. Como no Brasil, a disseminação do vírus incidiu no começo do ano letivo, a situação é ainda mais complicada, tendo em vista que o ano letivo foi altamente prejudicado e, portanto, os estudantes têm desafios maiores em executar uma avaliação que cobra conhecimentos consolidados no período.

3)  Adiamento é consenso entre especialistas e instituições
Quase todas as instituições que atuam direta ou indiretamente na Educação posicionaram-se favoráveis ao adiamento do Enem:

– Congresso Nacional, por meio da Frente Parlamentar Mista da Educação;

Tribunal de Contas da União;

Conselho Nacional de Educação, que em uma nova diretriz sobre regulação da Educação em tempos de pandemia recomendou adiamento;

Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed);

Associação dos servidores do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) co-assinou carta pedindo adiamento.

4)  Quanto mais cedo se tomasse a decisão, mais fácil e mais barato seria
Por ser uma operação muito complexa – ano passado o Enem contou com mais de 5 milhões de inscritos -, quanto menor o tempo para reorganizar o exame, maiores os riscos de problemas em sua execução, principalmente por questões contratuais e logísticas. O que deve também ser levado em conta é que, mesmo com adiamento, a aplicação do próximo exame será uma operação ainda mais desafiadora por conta dos cuidados sanitários necessários. E, por fim, é importante ressaltar também que, diante do adiamento, o MEC precisa desenvolver um plano de contingenciamento, visto que mudanças de planejamento e cronograma de última hora costumam ser mais onerosas aos cofres públicos. Essa preocupação faz parte da lógica de eficiência e bom uso do recurso público.

5)  Extensão ou reabertura do período de inscrições
O Todos recomenda a extensão ou reabertura do período de inscrições do Enem, tendo em vista que elas somente podem ser feitas pela Internet, cuja disponibilidade desigual é acentuada durante a pandemia em função das medidas de distanciamento social. Ademais, o próprio MEC reconheceu que há instabilidade em seus sistemas de reconhecimento do pagamento da taxa ou do pedido de isenção, o que reforça o argumento em prol do alargamento do prazo. E por fim, é importante que alunos que tinham desistido de prestar o exame devido aos desafios pedagógicos e de infraestrutura tenham mais oportunidades para se inscreverem.

 

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