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Sem estudo, sem futuro: para o jovem e para o Brasil

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Alice Carolina Nunes, 25, não estuda há sete anos. Ela parou os estudos no 2º ano do Ensino Médio que cursava na Escola Estadual Adelaide Rosa, no Grajaú, bairro da zona sul de São Paulo. Grávida, ela se afastou da escola para se dedicar à rotina materna. A nova responsabilidade também levou a jovem a priorizar o trabalho à época e, assim, o retorno aos estudos foi adiado.

Hoje, no entanto, Alice não estuda nem trabalha e reconhece que ter completado os estudos seria fundamental para que ela tivesse uma vida melhor. “A escola era boa e penso que aprendi o necessário. Mas é muito ruim não ter concluído, porque as vagas de emprego sempre exigem o Ensino Médio completo ou ensino superior”, conta ela. Na casa de Alice vivem seus três filhos e o marido, que também deixou os estudos no 2º ano do Ensino Médio e trabalha como pintor, sustentando a casa com R$ 1.500 por mês.

+++DAS JOVENS QUE ESTÃO FORA DA ESCOLA, 43% ALEGAM CUIDAR DA CASA E DOS FILHOS

O jovem casal faz parte de uma preocupante estatística da juventude brasileira que terá impacto no futuro do País: cerca de 52% dos jovens entre 15 e 29 anos correm o risco de não se inserirem no mercado de trabalho, conforme aponta relatório “Competências e Empregos”, do Banco Mundial, lançado em setembro deste ano.

História semelhante à de Alice e seu marido vive Juliana Santos, 18, que abandonou os estudos assim que terminou os Anos Finais do Ensino Fundamental e hoje também enfrenta dificuldades para encontrar emprego. No caso dela, a falta de conexão com a escola foi a principal razão para deixar de frequentá-la – ela conta que não tinha interesse nas aulas durante os anos que passou na Escola Estadual Leonel Brizola, em São Paulo. “Eu só gostava de português porque a professora entendia que nunca gostei de estudar e tinha paciência comigo”, explica Juliana. O sustento de sua casa depende atualmente de sua mãe, que trabalha como empregada doméstica.

A situação de jovens como esses é duplamente preocupante, uma vez que elas fazem parte de uma parcela da população brasileira que tem entre 15 e 29 anos e que não apenas está fora da escola, como também não trabalha – são popularmente classificados como “nem-nem”. Segundo o relatório o mesmo relatório do Banco Mundial, trata-se de um grupo que enfrenta dificuldades ainda maiores para sair do mercado de trabalho informal ou arranjar emprego. A população “nem-nem” do Brasil chegou a 1,4 milhão no último mês de junho, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad-C) de 2018 – três vezes mais que a quantidade registrada em 2014.

Futuro sabotado

As histórias de Alice e Juliana dão rosto aos fatores por trás de estatísticas daqueles e daquelas que deixam a juventude escolar de lado. A exclusão da vida produtiva não está ligada unicamente à taxa de jovens que evadem ou abandonam. Na verdade, a situação é complicada mesmo para os que terminam a Educação Básica na idade adequada.

Uma criança brasileira nasce hoje com a expectativa de atingir, em média, apenas 56% do seu potencial produtivo para a economia aos 18 anos, como demonstra o Índice de Capital Humano, publicado também pelo Banco Mundial no começo do mês de outubro. Calculado para 157 países, o indicador composto por dados de Educação e saúde mensura a quantidade de conhecimentos e habilidades (ou seja, o “capital humano”) que uma criança nascida hoje espera atingir em 18 anos a fim de contribuir para a economia, apontando, portanto, a capacidade produtiva da próxima geração.

No quesito Educação, o índice leva em consideração anos de escolaridade, desempenho de estudantes em avaliações internacionais e anos de estudo de aprendizagem efetiva. É neste último aspecto, aliás, que o País amarga seu maior prejuízo: a baixa qualidade educacional brasileira faz com que a média de 11,7 anos de escolaridade signifiquem apenas 7,6 anos de aprendizagem. De fato, a crise de aprendizagem é o maior desafio da Educação brasileira, como atestam também os dados nacionais: apenas 27,5% dos nossos alunos terminam o Ensino Médio com aprendizagem adequada em língua portuguesa, de acordo com o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2018, por exemplo.

+++“A MELHORIA DA EDUCAÇÃO DEVE SER UM COMPROMISSO NACIONAL”, ERIC HANUSHEK

O quadro atual indica que temos de garantir que os estudantes permaneçam na escola, mas que também aprendam. Para isso, é urgente que sejam assegurados conteúdos significativos, boas metodologias de ensino e políticas públicas eficientes para os segmentos mais vulneráveis da juventude. Trata-se de assegurar um futuro em que os jovens conquistem mais qualidade de vida para si e, consequentemente, levem o País a um patamar mais elevado de bem-estar social e equidade.

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Evidências

Essa relação entre Educação e produtividade do País  já foi comprovada por uma série de pesquisas, como o trabalho do economista norte-americano Eric Hanushek. E se o Brasil teria muito a ganhar, os indivíduos também. De acordo com o Anuário Brasileiro da Educação Básica , enquanto pessoas de 18 a 29 anos com Ensino Médio incompleto recebem R$ 1.081,56 de salário em média, aqueles que concluem a Educação Superior recebem, em média, R$ 2.799,76 – ou seja, mais que o dobro.

Alice e Juliana descobriram isso da maneira mais difícil e pretendem mudar suas trajetórias: elas querem retomar os estudos. Alice pretende completar o Ensino Médio e cursar Gestão de Recursos Humanos. Juliana, por sua vez, visitou a Escola Leonel Brizola para buscar o seu histórico escolar no mesmo dia que deu entrevista ao Todos. “Tenho muita vontade de fazer faculdade de Turismo, porque quero dar um futuro melhor para minha mãe”, sonha a jovem.