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Planejar é bom – mas para mudar o jogo na Educação, a chave está em engajar

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Olavo Nogueira Filho*

Gabriel Corrêa**

Enquanto o novo governo federal busca resgatar o Ministério da Educação e restabelecer políticas nacionais para a Educação brasileira, as novas gestões estaduais estão a poucos dias de reabrir as portas de dezenas de milhares de escolas Brasil afora. Em particular para as secretarias de Educação que começam o ano com novos secretários e secretárias, trata-se de um período nada trivial. Isso porque, parte importante do que acontecerá neste começo de 2023 depende do que foi feito – ou deixou de ser feito – pela gestão anterior. 

Isso posto, nesse início há também outra faceta relevante que está sob total (ou pelo menos maior) controle dos novos mandatários. Trata-se de uma oportunidade única que, se bem aproveitada, poderá ser definidora dos resultados a serem atingidos ao fim do atual ciclo governamental e ao longo dos anos subsequentes: realizar um sólido planejamento de médio-longo prazo. 

Comecemos pela parte mais óbvia: o começo de mandatos abre a janela para a elaboração de planos sobre o que se pretende fazer ao longo dos quatros anos que virão. É possível também dar um passo à frente e compor um planejamento multimandatos, ideia que, infelizmente, ainda não tem a adesão necessária no país. Como mudanças significativas na Educação tomam tempo, o começo da gestão é a melhor hora para aprofundar ou revisitar diagnósticos, definir metas e organizar estratégias de ação para promover melhorias substanciais nas políticas educacionais e, consequentemente, nos resultados educacionais. Ainda que não seja condição “suficiente” para mudar o jogo, um planejamento eficaz é variável necessária para a promoção de avanços, em particular aqueles de natureza mais estrutural. 

Agora vem a parte menos óbvia: pouco adianta um bom plano se a construção e a implementação não forem capazes de engajar professores, diretores e demais profissionais da Educação que atuam nas escolas e na gestão da rede de ensino. Por ser uma característica ainda pouco observada nas redes brasileiras (o próprio testemunho de professores em pesquisas de opinião representativas evidencia isso), o aprofundamento dessa dimensão deveria alcançar mais espaço no debate público especializado. Nossa tentativa de contribuir para essa discussão é o que vem a seguir.

 

Ao longo do segundo semestre do ano passado, o Todos Pela Educação apoiou tecnicamente a construção de um documento diagnóstico e de recomendações detalhadas para a futura gestão estadual de São Paulo (ainda não divulgado), coordenado pela Frente Paulista pela Educação (grupo que envolve diversos indivíduos, especialistas e organizações do campo educacional atuantes no Estado). Um dos capítulos que mais contou com nossa contribuição foi aquele que se dedicou a aprofundar a importância do envolvimento da Rede desde o processo de planejamento. E, na nossa visão, o que ali ficou registrado também tem enorme aderência à vasta maioria das redes educacionais no Brasil. Assim, para fins de construção da argumentação deste artigo, reproduziremos abaixo os principais trechos em itálico, intercalados com comentários complementares.

Comecemos pelo que já está razoavelmente consolidado na literatura mais recente:

Trabalhos mais recentes sobre sistemas educacionais têm evidenciado a importância do envolvimento do conjunto de profissionais que compõem as redes de ensino – em todos os níveis – para assegurar que mudanças significativas se materializem nas escolas e se sustentem ao longo do tempo. Seja em âmbito internacional (Andrews et al., 2017; Fullan e Quinn, 2015; Fullan e Gallagher, 2020) como também nacional (Abrucio e Segatto, 2017; Nogueira Filho, 2022), esses trabalhos mostram que o engajamento dos atores locais (escola) e regionais (no caso das redes de maior porte) não apenas confere legitimidade ao processo de formulação de políticas públicas educacionais, mas se constitui como elemento estruturador do processo de implementação das políticas.

Ou seja: um plano realmente efetivo do ponto de vista de sua implantação é aquele que traz a digital de quem tem a possibilidade de materializá-lo. Mas, o que exatamente significa isso e como promover o envolvimento das pessoas? No documento, destacamos duas questões-chave que podem orientar esforços nessa direção.

A primeira delas é a importância do engajamento de profissionais da rede desde a construção do planejamento estratégico. A liderança do órgão central e o apoio de especialistas, academia e organizações do campo educacional são fatores comumente destacados como fundamentais para a construção de planos estratégicos educacionais consistentes. E, sem dúvida, são. Não obstante, a participação dos profissionais que, em última instância, serão responsáveis pela implementação das ações (professores, diretores escolares e profissionais dos órgãos regionais), é peça central para aferir legitimidade e aumentar as chances de sustentabilidade do plano ao longo do tempo. Isso porque sem o comprometimento de quem, no dia a dia, efetivamente faz a educação acontecer, planos estratégicos, por mais bem desenhados que sejam, ficam no papel e/ou são facilmente descontinuados quando há trocas na liderança da secretaria (muitas vezes mesmo dentro de um mesmo governo). Por isso, é importante que esse envolvimento da rede se dê desde o início, ainda na etapa de formulação do plano.

Há diferentes formas de envolver os profissionais da rede nessa etapa. Alguns exemplos são: rodadas de escutas locais promovidas pelo órgão central, criação de grupos de trabalho regionais para sistematização das opiniões dos profissionais pertencentes a determinada localidade, criação de um comitê de assessoramento ao time responsável pelo planejamento estratégico composto por profissionais da rede reconhecido pelos seus pares, pesquisas de opinião etc. O ponto mais importante é fazer com que o plano estratégico seja subsidiado pela visão e conhecimento instalado na própria rede – conhecimentos estes que, muitas vezes, profissionais do órgão central sequer têm visibilidade (e que, muitas vezes, são de difícil mensuração). 

Sobre essa última ideia, vale aqui fazer um adendo e destacar uma frase do sociólogo e pesquisador educacional americano Jal Mehta registrada no livro The Allure of Order [A Fascinação por Ordem, em tradução livre, ainda inédito em português, que captura bem a essência desse argumento específico:

“Profissionais do chão da escola enxergam as particularidades; eles podem até não ter um senso completo sobre o funcionamento da unidade escolar em que atuam, mas eles sabem muito, incluindo muita coisa que não é fácil de ser medida a respeito das escolas em que  atuam.”

Voltemos ao texto do documento:

Nesse mesmo sentido, é importante dizer que a escuta atenta da opinião dos estudantes, exercício frequentemente ignorado pelas gestões educacionais, também deve ser contemplada. Afinal, em certas dimensões, são os alunos quem melhor podem dizer o que vem funcionando bem nas escolas e o que merece maior atenção da política pública.

Além do fato objetivo de aumentar as chances de o diagnóstico e as soluções do plano estratégico terem mais consistência e aderência aos desafios reais da rede, o envolvimento dos atores locais e regionais já nessa etapa permite que uma importante ideia seja avançada junto à rede: que a secretaria acredita que muitas das soluções para os desafios estão na própria rede. Essa ideia tem relevância na medida em que possui poderosa capacidade de incidir positivamente no senso de apropriação do plano estratégico pela rede. 

Ponto esse que nos leva ao segundo aspecto-chave:

É comum ouvir de secretários de Educação que suas gestões são pautadas pelo diálogo e pela escuta aberta. Ainda que estas sejam, de fato, características desejáveis de uma boa gestão educacional, a literatura mais recente (já destacada acima) evidencia que se o objetivo é mobilizar a rede de ensino para a promoção de mudanças significativas e duradouras, não basta “apenas” dialogar: é preciso criar um entendimento compartilhado entre todos os atores do sistema a respeito do propósito e natureza dos trabalhos – individual e coletivo – a ser realizado. Ou seja, é preciso que os profissionais da rede acreditem no plano da Secretaria, se apropriem dele e enxerguem a sua parte em alcançar os objetivos traçados (Fullan e Quinn, 2016).

Garantir que isso aconteça depende, por um lado, da abertura contínua de oportunidades para contribuição a respeito dos rumos das diferentes políticas educacionais. E há evidências que suportam esse entendimento: pesquisa de opinião nacional com professores realizada em 2018 pelo Ibope e Todos Pela Educação revelou que “ser escutado pela secretaria de educação” figura como a segunda principal medida de “valorização e reconhecimento profissional”, aparecendo, inclusive, antes de questões salariais. 

Além disso, garantir apropriação passa pelo avanço de boas estratégias de comunicação, envolvendo, entre outros aspectos, a criação de uma visão de futuro clara e engajadora a partir do órgão central. No dia a dia das redes de médio e grande porte, porém, a sustentação dessa mobilização tem nas estruturas regionais e nos diretores escolares figuras centrais. É também por isso que o fortalecimento das estruturas regionais de ensino e da gestão escolar devem ser consideradas medidas absolutamente prioritárias pelas próximas administrações estaduais. Ampliar a capacidade dos gestores da política educacional de liderar, mobilizar e engajar pessoas é o que, de fato, poderá tornar o plano estratégico um instrumento capaz de sensibilizar um grande grupo de pessoas para assumirem (ou renovarem) um compromisso inequívoco com a melhoria dos resultados educacionais.

Muito se diz no Brasil que um dos grandes desafios da educação é “gestão”. E é mesmo. Dito isso, se de fato queremos um ensino que alcance melhores resultados – no sentido amplo, em linha com aquilo que o Artigo 205 da Constituição Federal preconiza –, entendemos que é preciso aprofundar o debate e qualificar melhor o que se entende por boa gestão educacional. Ressignificar a forma e a essência dos planejamentos liderados pelos órgãos centrais das secretarias de Educação é só o começo.


 ¹ e ² Pesquisa Ibope com 2.160 professores, representativa em território nacional, realizada em 2018. São Paulo: Todos Pela Educação, 2018.


 

*Diretor-executivo do Todos Pela Educação, é mestre em gestão e política pública pela FGV-SP e autor do livro “Pontos fora da curva: por que algumas reformas educacionais são mais efetivas do que outras” (FGV Editora, 2022).

**Líder de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, é mestre em economia pela USP e doutorando em administração pública pela FGV-SP.

 


Referências

Abrucio, F. L; Segatto, C. I. (2017) A gestão por resultados na educação em quatro estados brasileiros. Enap: Revista do Serviço Público, Brasília, v. 68, n. 1, p. 85-106.

Andrews, M.; Pritchett, L.; Woolcock, M. (2017) Building State Capability: Evidence, Analysis, Action. Oxford University Press.

Fullan, M; Quinn, J. (2015) Coherence: The Right Drivers in Action for Schools, Districts, and Systems. Corwin Press and the Ontario Principals’ Council. 

Fullan, M.; Gallagher, M. J. (2020) The Devil is in the Details: System Solutions for Equity, Excellence, and Student Well-Being. Corwin Publishers.

Nogueira Filho, Olavo. (2022) Pontos fora da curva: por que algumas reformas educacionais são mais efetivas do que outras e o que isso significa para o futuro da educação básica brasileira. Rio de Janeiro: FGV Editora.