Tempo de leitura: 3 minutos

Mulheres: por que o estudo não está virando oportunidade?

|

As mulheres brasileiras são mais escolarizadas que os homens. Elas têm maiores níveis de alfabetismo, evadem menos da escola e também têm uma melhor taxa de conclusão da trajetória escolar na idade certa. Apesar disso, a disparidade das oportunidades no mercado de trabalho entre os gêneros permanecem, como aponta recorte especial do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF), apresentado no 2° Ciclo de Debates sobre Analfabetismo promovido pelo Todos Pela Educação e pela instituição Conhecimento Social.

De acordo com o levantamento, mesmo tendo uma maior parcela de analfabetos, os homens têm mais oportunidades no mercado de trabalho. Entre o grupo de homens que são analfabetos funcionais, 27% estão trabalhando; entre as mulheres analfabetas, essa taxa é de 22%. Esse mesmo grupo de mulheres também se sente mais desmotivado na hora de procurar emprego. Entre as analfabetas funcionais, apenas 25% está procurando emprego; para os homens, o índice é de 35%.

Convidada especial para debater a temática, Iracema Nascimento, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), afirma que a Educação não tem dado conta de acabar com a desigualdade de gênero ainda presente na sociedade. “As mulheres têm taxas de escolaridade melhores, mas isso não reverbera no mercado de trabalho, onde há uma desigualdade vertical e horizontal: elas não têm acesso nem às mesmas profissões que os homens nem aos mesmos cargos”, critica a pesquisadora que também integra a Rede de Leitura e Escrita de Qualidade para Todos (LEQT).

E, na opinião da especialista, este é um problema que deveria ser enfrentado pelas escolas desde cedo por meio da promoção de exemplos inspiradores e valorização das figuras femininas relevantes nos diversos campos de conhecimento, inclusive no material didático. “O trabalho de mestrado da Giovana Romano Sanchez sobre os três livros da coleção ‘História, Sociedade e Cidadania’, distribuídos em 2015 no Ensino Médio Público, mostra que 789 (91,8%) dos 859 personagens mencionados nessas obras são homens e apenas 70 (8,2%) são mulheres. Isso tem um impacto muito grande”, pondera.

Mães e cuidadoras

A situação das meninas fora da escola revelam outra face da desigualdade de gênero e mostra que a solução da evasão desse grupo requer políticas públicas pensadas para elas, que são 447 mil. A gravidez e o cuidado com outras pessoas, como irmãos menores, são as principais causas para estarem fora das salas de aula, motivações que não aparecem para os meninos. “Esse quadro revela o quanto a desigualdade de gênero ainda persiste. Para incentivarmos essas meninas voltarem à escola, é importante investir em creches. Se a jovem mãe está fora da escola, seus filhos provavelmente também estão e, portanto, elas precisam de um serviço que apoie a ambos”, afirma Maria Laura Gomes Lopes, analista de dados do Todos Pela Educação.

+++DAS JOVENS QUE ESTÃO FORA DA ESCOLA, 43% ALEGAM CUIDAR DA CASA E DOS FILHOS

Mães e leitoras

O INAF mediu também a importância das mulheres na promoção da alfabetização. Em qualquer um dos níveis de alfabetismo dos entrevistados (analfabetismo funcional, alfabetismo elementar e alfabetismo consolidado), as mães foram apontadas como as principais influências na aproximação com os livros, o que demonstra a importância estratégica das mulheres na promoção da leitura, lado a lado com a responsabilidade da escola, prevista na Constituição Federal e Lei de de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).

Para Iracema, esse quadro na vida privada em relação à leitura é resultado dos papéis sociais historicamente determinados para homens e mulheres. “As mulheres assumiram, em proporções muito maiores que os homens, as tarefas de cuidado com as crianças e atividades domésticas na família. Para muitos, cuidar dos filhos inclui também cuidar da vida escolar, lições de casa e da leitura”, analisa.

Olhando por outro ângulo, o baixo envolvimento dos pais no apoio à Educação é uma lacuna a ser preenchida, uma vez que a participação deles poderia fazer avançar a alfabetização. “A prática sociocultural da leitura é muito atribuída ao universo doméstico e, portanto, a um universo feminino. Por isso, entre muitos homens, há um certo desprezo pela leitura, por ser visto como ‘uma coisa de mulher’”, pontua Iracema.

Ana Lima, coordenadora do INAF, destaca a importância do rompimento de tais barreiras. “É claro o papel da mulher na influência à leitura e não queremos que isso diminua. A questão é valorizar essa leitura também entre os homens, para que eles também sejam influenciadores”, conclui.

O que é o INAF?

Criado em 2003, o INAF mede o progresso dos níveis de alfabetismo da população brasileira entre 15 e 64 anos e os recortes específicos tem por objetivo mostrar os desafios de determinados segmentos sociais na consolidação das habilidades de letramento e numeramento. Conheça o indicador e os dados gerais aqui.