A exclusão escolar das camadas sociais mais pobres é histórica no Brasil, especialmente na Educação Superior. Com o objetivo de corrigir isso, nos últimos anos, uma série de medidas para incluir foram colocadas em prática, como a política de cotas nas universidades públicas, que consiste na reserva de vagas para negros, indígenas e/ou brasileiros e brasileiras vindos das camadas mais pobres da população.
Este foi o tema da mesa “Quebrando tabus e mitos: com a palavra, a política de cotas”, no primeiro dia de debates do evento Educação 360, no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro (RJ). Organizado pelos jornais O Globo e Extra, o encontro internacional conta com apoio do Todos Pela Educação.
Antes de desconstruir algumas ideias pré-concebidas sobre as cotas raciais e sociais, o economista e professor do Insper Naercio Menezes apresentou o contexto socioeconômico brasileiro, para explicar a necessidade desse tipo de ação afirmativa. “Toda criança tem que ter as mesmas oportunidades onde quer que ela nasça no Brasil, mas não é isso que acontece. Hoje temos uma loteria da vida aqui: se você tiver a sorte de nascer em uma família de alto nível socioeconômico, você provavelmente vai se dar bem na vida; caso contrário, as chances são baixas”, explicou.
Segundo Menezes, há evidências que mostram que as cotas diminuem pouco a nota média dos alunos ingressantes. Ou seja: a qualidade do desempenho dos estudantes não sofre queda com a entrada dos cotistas nos cursos superiores. Além disso, esses alunos costumam apresentar desempenho similar ao dos alunos não cotistas. “As habilidades socioemocionais, como a resiliência, são maiores entre cotistas por causa do histórico de vida – eles estão acostumados a batalhar pelas coisas”, explicou. Além disso, de acordo com o economista, as cotas trazem maior diversidade, justiça social e estímulo para incluir novos ingressantes no ambiente universitário.
Opinião semelhante tem Gersem Baniwa, professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e especialista na formação docente indígena. De acordo com ele, as cotas ampliaram e democratizaram o acesso dos indígenas à Educação Superior. “Em 15 anos, esse número foi multiplicado por dez: hoje, temos 44 mil indígenas matriculados”, explicou Baniwa.
Segundo ele, os indígenas contam hoje com vários tipos de ações afirmativas, tais quais as cotas /reserva de vagas; incluir em processos seletivos e cursos específicos; bolsas e programas de bonificação. Entre os benefícios deste processo, Baniwa cita o esforço em superar a política colonial do Brasil, reconhecendo a diversidade e a pluralidade de etnias presentes no território, além de abrir diálogos entre esses saberes e culturas – muitos dos quais sofrem com a perspectiva de extinção. “A formação superior para os indígenas deve ser diferenciada pois somos diferentes culturalmente”, ressaltou o professor. “Não somos subcultura da cultura brasileira. Somos outra cultura”.
Obstáculos
Apesar da inclusão progressiva dos jovens indígenas no sistema educacional, Baniwa afirma que existem muitos desafios a serem superados, como a discriminação, a ausência de políticas de acolhimento e os currículos monoculturalistas dos cursos superiores, que não privilegiam os saberes desses povos.
Patrícia Santos, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), concorda com a ideia de que o estereótipo dos alunos cotistas, sejam negros ou indígenas, ainda persiste no ambiente universitário. “A minha chegada à universidade foi marcada por acharem que eu era para ser parte da equipe de faxina e não professora”, lembra ela.
Como negra, Patrícia afirma que reforçar esse tipo de estigma é prejudicial para os jovens pretos, que já sofrem com o que se chama de genocídio do jovem preto, termo usado pelos estudos sociológicos para se referir à alta taxa de mortalidade entre essa faixa etária da população negra, e com a criminalização da pobreza.