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Educação: os números mudam se a gente mudar

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“A comunidade tinha muito preconceito com a escola. Eles estudavam aqui porque não tinham outra opção”. Essa foi a percepção de Jaciara Oliveira quando chegou à Escola Estadual Professor Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, no Núcleo Lageado, zona leste de São Paulo, onde a docente de português atua desde 2012. A instituição está localizada em uma área com o 3º pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade, indicador que mede em números o desenvolvimento econômico e a qualidade de vida de uma população.

Como não poderia deixar de ser, a situação da região se refletia no Índice de Desenvolvimento da Educação Paulista (Idesp) da escola. Calculado todo ano com turmas que encerram os ciclos do Ensino Fundamental I (EFI), II (EFII) e do Ensino Médio (EM), o Idesp é um indicador composto por dois aspectos importantes das escolas estaduais de São Paulo: o fluxo escolar (taxa de alunos matriculados que foram aprovados no final do ano letivo) e o desempenho em matemática e português em avaliações aplicadas pela secretaria de Educação. Assim, multiplicando essas duas dimensões, é calculado um valor de 0 a 10, denominado Idesp.

Em 2012, os indicadores da escola estavam abaixo dos apresentados pela região em que a escola está inserida, a Diretoria de Ensino Leste 2 (DRE Leste 2). Enquanto na DRE Leste 2 os índices das escolas eram de 1,95 no 9º ano do EF II e de 1,29 no 3º ano do EM, na escola Professor Aurélio Buarque o valor era de 1,50 e 0,96, respectivamente. Ou seja, mesmo quando comparada com escolas com desafios semelhantes e com índices muito baixo, a unidade estava bem aquém do esperado.

Esses índices negativos traduziam a dificuldade de aprendizagem e a alta repetência dos alunos da unidade, que podem ser considerados desafios humanos e pedagógicos enormes. “Era desanimador”, lembra Meire Duque, que assumiu a direção da instituição naquele ano. Mas mudanças despontavam no horizonte e um considerável avanço no indicador estava por vir.

Meire explica que, inconformada com aquela situação, planejou uma série de iniciativas para avançar. A primeira ideia que lhe ocorreu foi: por que não abrir o jogo com os estudantes e chamá-los para debater o tema? Partindo da ideia de gestão democrática – uma forma de gerir a escola dando espaço para que a comunidade escolar participe das decisões -, ela fez o convite aos alunos. “Pelo diálogo, cada um falando o que precisa mudar, fomos colocando a escola nos eixos”, conta.

Mas ouvir foi apenas o primeiro passo. Sabendo que a reprovação e o baixo desempenho dos estudantes requerem mudanças pedagógicas que transformem o jeito de ensinar, a gestão da escola alinhou o currículo e a formação continuada dos docentes aos recursos oferecidos pela secretaria de Educação e diretoria de ensino. “Os professores ficaram mais eficazes para ensinar as habilidades que os alunos tinham dificuldade em aprender”, analisa.

Um bom lugar para se estar

A abertura da escola para uma gestão democrática veio acompanhada da atuação de parceiros, como a Rede EscolAÍ, apoiada pela Fundação Otacílio Coser (FOCO). As ações incluíram oficinas e gincanas que envolviam equipe gestora, docentes, estudantes e familiares. “Com a abertura da escola para os pais, a comunidade se sentiu mais confiante em deixar o seu aluno aqui”, conta a diretora.

Para Rafael Moreira, estudante do 2º ano do Ensino Médio noturno, as mudanças têm tirado a má fama que a escola acumulava e criado uma espécie de corrente de recomendações. “Como os alunos contam para os pais que a escola está melhorando, os responsáveis estão chamando outros pais para colocarem seus filhos aqui”, comenta o jovem.

O “bichinho” do diálogo

Uma boa conversa pode ajudar a conectar as pessoas. Sendo assim, o diálogo constante entre os atores da escola levou os estudantes a prestarem mais atenção nas aulas. “A depredação diminuiu e com um espaço físico mais funcional, eles se interessaram mais pelos conteúdos. Eles querem saber o que evoluiu em seus desempenhos e o que ainda pode melhorar”, conta a professora Jaciara.

O estudante Rafael também sente que o “bichinho do diálogo” picou todo mundo na escola, dentro e fora da sala de aula. “Hoje temos um grêmio estudantil. Na sala de aula, os professores ajudam, explicam duas, três vezes para tirar nossas dúvidas. Eu já era interessado nas aulas, mas isso aumentou. O diálogo que temos desperta cada vez mais o interesse dos alunos”, afirma.

Mudanças na relação com as pessoas, resultado nos números

O Idesp é uma espécie de variação regional do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que é medido pelo Ministério da Educação (MEC) a cada dois anos. Semelhante ao Idesp, o Ideb é um indicador composto pelo fluxo escolar e o desempenho em português e matemática. A diferença entre eles está nas avaliações utilizadas como referência: o Ideb usa a Prova Brasil, aplicada no Brasil inteiro, enquanto o Idesp utiliza  o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), prova regional aplicada apenas em São Paulo. Apesar de o Ideb ser nacional, alguns estados preferem manter as suas próprias avaliações, com seus próprios critérios.

Tanto o Idesp quanto o Ideb auxiliam a comunidade escolar e sociedade a saberem como anda a “saúde educacional” de escolas, municípios, estados e do País. Ou seja, servem como parâmetro para saberem a quantas anda a aprendizagem das nossas crianças e jovens. Mas, mais importante do que olhar os números isoladamente, os indicadores ligam o alerta para a situação educacional das pessoas por trás deles. O caso da escola Professor Aurélio Buarque dá o exemplo.

Lembra que a unidade amargava índices de desenvolvimento educacional muito baixos (1,50 no EF II e 0,96 no EM) em 2012? Pois bem, a gestão democrática, a alteração do currículo e a formação dos professores deram resultados. Hoje, a unidade bateu a meta do Idesp e se destaca na região. Enquanto o índice para o 9º ano do EF II e o 3º ano do EM da região são 2,58 e 1,89, respectivamente, a escola atingiu para essas etapas 3,16 e 2,11, ultrapassando suas respectivas metas de 2,26 e 1,70. “Hoje, os estudantes se reconhecem como protagonistas”, afirma Meire.

Apesar de um índice não captar tudo que seria necessário em uma escola de qualidade (como a infraestrutura, por exemplo, já que são avaliados apenas fluxo escolar e desempenho, como já destacado), a escola Professor Aurélio Buarque progrediu e mais e mais estudantes estão aprendendo bem e no tempo certo! A comunidade escolar continua sendo ouvida por meio das redes sociais da instituição e sendo informada das ações escolares constantemente, seguindo por um caminho que deve proporcionar mais resultados positivos nos próximos anos.