Tempo de leitura: 4 minutos

“Combater informações falsas é um desafio que requer uma resposta educacional”, afirma especialista norte-americana

|

Bolhas, trending topics, feed, timeline, meme, smartphone, stories, #tbt, troll, engajamento. Quem nunca se deparou com algum desses termos e se sentiu por fora, sem entender exatamente o que eles significam? Palavras como essas são parte das milhares de expressões do mundo virtual que vêm invadindo há alguns anos o nosso cotidiano, mostrando que a difusão dos dispositivos e interações digitais mudam também o mundo offline.

As evidências dessa influência transversal têm se multiplicado, e vão desde o crescimento das lojas que só funcionam no ambiente virtual, transformando a atuação das concorrentes, até a manipulação de eleitores no pleito norte-americano de 2017, impactando a credibilidade do sistema democrático como um todo. Outro efeito é o imenso alcance das notícias falsas, que têm transformado a maneira como nos comunicamos. Não é à toa que Christine Bragale, vice-presidente sênior da organização The New Literacy Project (em tradução livre, Projeto de Alfabetização em Notícias), acredita que as notícias falsas e as meias verdades que circulam no mundo digital devem receber a mesma atenção que outros hábitos nocivos à população.

Sendo um assunto tão relevante para a sociedade atual, há espaço na escola para tratar desse assunto? Para o The News Literacy Project sim! Fundada por um jornalista preocupado com a interpretação que a sua filha adolescente fazia das notícias no meio digital, a iniciativa mantém uma plataforma de conhecimento e também fornece formação aos professores norte-americanos, com o objetivo de ajudá-los a distinguir o que é e não é confiável no mundo contemporâneo das informações.

+++PROFESSORES BRASILEIROS QUEREM URGENTEMENTE MAIS FORMAÇÃO CONTINUADA

“Os estudantes não podem ser recebedores passivos e sim ter autonomia e saber manejar ferramentas para checar as informações”, explica Christine. Em entrevista ao Todos, ela fala das atividades inspiradoras que a organização sem fins lucrativos tem feito no combate à desinformação e sobre o que a Educação tem a ver com isso. Veja:

Todos: The News Literacy Project tem um objetivo ambicioso: “ensinar estudantes como saber em que confiar na era digital”. Diante disso, como ensinar o que é e não é confiável no mar da internet? Quais ferramentas o projeto utiliza para isso?

Christine: O The News Literacy Project equipa os professores com ferramentas para ensinar news literacy (em tradução livre, alfabetização de notícias) para as etapas equivalentes ao Ensino Fundamental 2 e Ensino Médio aqui no Brasil. Nossa ferramenta mais importante é a plataforma Checkology, que oferece uma série de aulas e avaliações que podem ser customizadas pelos professores conforme as necessidades e objetivos do ensino. Há, nesse espaço virtual, 13 aulas lideradas por jornalistas profissionais e outros especialistas da comunicação.
As aulas cobrem tópicos como desenvolver senso crítico sobre as notícias, o papel de vigilância da imprensa e o uso de algoritmos para personalizar o que as pessoas veem on-line. Novas funções permitem os professores personalizar a plataforma e a sequência das atividades; os alunos têm à disposição uma variedade de recursos interativos e podem praticar suas habilidades em cenários realistas.

O NTLP também oferece uma série de outros recursos de ‘alfabetização de notícias’ que podem ser úteis para os adultos, bem como oportunidades de desenvolvimento profissional para educadores. Nosso boletim semanal, The Sift, usa os grandes momentos da semana para criar aulas que os professores podem adaptar às discussões em sala de aula. Para saber mais, as pessoas podem visitar o newslit.org.

Nosso objetivo é que as pessoas saibam em quais informações podem confiar, compartilhar e agir.

O assunto das fake news está em destaque no Brasil, devido a uma denúncia de envio em massa de mensagens de WhatsApp durante as eleições. Como os professores podem usar episódios como esses para falar sobre o combate às notícias falsas?
Exemplos de desinformação são oportunidades para diversos tipos de aprendizagens sobre alfabetização de notícias. Você pode explorar os temas (que emoções eles almejam/ desencadeiam?) e as estratégias (as imagens utilizadas são autênticas, as citações estão fora em um contexto falso? Envolvem conteúdo manipulado ou fabricado?); e você pode usar todo esse material como lições sobre checagem de informação e investigação digital (isto é, descobrir onde o conteúdo se originou, provar seu contexto original, etc.), por exemplo. Além disso, o educador pode coletar exemplos de desinformação e tentar classificá-los de alguma forma (totalmente falsos e mais ou menos falsos, por exemplo), ou examinar os padrões em que emergem.

Uma grande parte dos professores brasileiros estão envelhecidos e irão se aposentar em breve. Qual é a diferença em falar sobre alfabetização de notícias com pessoas mais velhas e com jovens?
As gerações mais antigas cresceram com um ecossistema de informações muito diferente do atual – com muito menos informações para navegar, mais gatekeepers (selecionadores de notícias, como os jornais) e menos falsificações. Os jovens, por outro lado, cresceram com a internet e os smartphones e geralmente não questionam as novas tecnologias da informação. Assim, na verdade, pais e adolescentes têm muito mais em comum quando se trata de notícias e alfabetização informacional do que diferenças.

É claro que os adultos podem, às vezes, aproveitar suas experiências de uma era de mídia mais tradicional para reconhecer informações falsas, mas essas mesmas experiências os tornam vulneráveis ​​a sites de notícias falsas que adotam uma aparência confiável e um nome institucional para enganar as pessoas. Da mesma forma, os adolescentes podem usar as ferramentas digitais incrivelmente bem – eles baixam aplicativos, criam memes e encontram uma montanha de informações com rapidez. Mas muitos deles não têm as habilidades necessárias para avaliar todas essas informações e, muitas vezes, não entendem o que fundamenta e está por trás do mundo digital. Por exemplo, muitos não sabem como a publicidade digital realmente funciona – por que e como vemos os anúncios que fazemos on-line -, não entendem como as plataformas de publicidade atuam na mídia social e nem compreendem o papel que os algoritmos desempenham ao determinar as informações que as pessoas recebem organicamente ou por meio de uma pesquisa.

Em uma era como a nossa, de relativização da verdade e crise da mídia tradicional, qual é o papel da Educação em ajudar os jovens a distinguir sutilezas nos discursos falsos?

O fato é que hoje temos de trabalhar mais do que nunca para obter os fatos que precisamos para sermos informados e cidadãos engajados de nossas comunidades. No News Literacy Project, vemos o panorama atual da informação como um desafio de “saúde pública” que requer uma resposta educacional, tão relevante quanto as campanhas sobre os perigos do cigarro e o impacto ambiental positivo da reciclagem. O primeiro e mais importante passo da Educação é a conscientização do perigo das notícias falsas – e os estudos mostram que isso vem crescendo. Estamos assistindo ao surgimento de um apetite saudável por uma solução para essas informações enganosas. A resposta é equipar as pessoas com as habilidades para avaliar as informações por si mesmas, de modo que isso se torne uma segunda natureza.